Dia Internacional da Mulher

Uma data histórica e ao mesmo tempo muito atual. O que simboliza o Dia Internacional da Mulher?

Por
Lara Tannus
Data de Publicação

 

Hoje, mulheres por todo o mundo protestam pela igualdade de direitos, contra o machismo e violência de gênero. (Arte: Renan Braz)
Hoje, mulheres por todo o mundo protestam pela igualdade de direitos, contra o machismo e violência de gênero. (Arte: Renan Braz)


Diversas versões surgem para nós sobre a origem dessa data, mas praticamente todas elas apontam a insatisfação das mulheres frente à desigualdade e injustiça de gênero.

Os movimentos feministas vêm crescendo cada vez mais em muitos âmbitos sociais, e sabendo da necessidade de haver também dentro da universidade, Heloisa Buarque de Almeida, docente do Departamento de Antropologia da FFLCH-USP se manifesta, junto de muitas outras mulheres da comunidade USP.

A docente analisa a importância histórica dessa data e explica os impasses que têm as mulheres dentro da universidade, destacando a mobilização da Rede Não Cala na luta feminista.

Serviço de Comunicação Social: O que a data do dia Internacional da Mulher significa no seu ponto de vista?

Heloisa Buarque de Almeida: Bem, há uma polêmica quanto à origem da data, mas o dia 8 de março é associado a uma greve, e à luta por direitos trabalhistas das mulheres.

Muitos remetem a uma greve numa fábrica têxtil nos EUA no século XIX, em que as trabalhadoras foram trancadas dentro da fábrica que foi incendiada. Mas parece que a versão mais verdadeira relaciona a data à Revolução Russa e a luta socialista – a data teria sido definida no II Congresso da Mulher Socialista por Clara Zetkin. Essa polêmica está bem descrita neste site: Nada de incêndio na fábrica! Esta é a verdadeira história do 8 de março (Revista AzMina).

Mas o que significa essa data hoje? Por um lado, o aspecto mais socialista e de esquerda dela é muitas vezes esquecido. A data merece ser lembrada pois estamos vivendo novamente um crescimento do movimento feminista, que se torna visível nas universidades e nas escolas, e na rua. O feminismo foi certamente a revolução silenciosa mais importante do século XX – porque transformou a vida das mulheres no seu aspecto público, mas também no lado mais íntimo. Se de início se lembra dos direitos políticos – o voto feminino – essa revolução silenciosa foi ampliando o tema. As mulheres antes não podiam estudar, nem ter posse de bens, nem fazer nada sem a tutela do seu pai ou do seu marido. E o 8 de março lembra também da desigualdade salarial (que ainda se mantém e se agrava ainda mais no caso das mulheres negras).

A luta feminista expandiu o tema para direitos sociais, direitos a não ter filhos, e os direitos sexuais e reprodutivos - direito a ter uma vida sexual feliz e saudável. Esse é um ponto que ainda aparece como ideal, mas pouco levado a sério. Porque há muitas desigualdades naturalizadas, é preciso falar delas e explicá-las, para mostrar o quanto ainda existe de violência contra mulheres. O Brasil é infelizmente um campeão em violência doméstica, feminicídios e estupros. Mas é preciso sempre lembrar que são mulheres em diversas condições, que são diferentes entre si – por isso dizemos que não existe "a mulher", mas mulheres em condições diversas em termos de raça, classe, sexualidade, religião, idade, etc.

Serviço de Comunicação Social: Você poderia contar um pouco sobre Rede Não Cala e qual a importância do programa para a mulher na universidade?

Heloisa Buarque de Almeida: A Rede Não Cala foi formada exatamente porque havia (e ainda há) uma violência muito grande contra alunas e professoras nesta universidade. O estopim foi o caso do aluno da medicina que estuprou três colegas e que, ao ser denunciado na Medicina, a comissão sindicante não considerou que teria havido estupro. Posteriormente ele foi punido com uma suspensão apenas, se formou e foi absolvido inclusive pelo sistema judiciário. Isso não nos surpreendeu, pois é muito difícil condenar um homem por estupro no Brasil, a não ser que ele tenha matado, ou quase, sua vítima. Sabemos que ele teria estuprado seis colegas (mas apenas três delas denunciaram) e esta universidade formou e deu um diploma para ele! E nenhuma reparação às vítimas.

A Rede Não Cala não é um programa da USP, ela é um movimento social autônomo, feminista e independente das estruturas da universidade. O que demandamos é que a universidade e seu sistema jurídico (sindicâncias) parem de acobertar casos de violência contra alunas e docentes, e que ela desenvolva um canal de atendimento médico e psico-social, além de instâncias mais eficientes para apurar se houve violência e eventualmente punir os agressores. E há também violência mais “discreta” como assédio sexual (de alunas, funcionárias e docentes), e mesmo assédio moral.

Infelizmente, a reitoria acha que atendimento médico e psicossocial é assistencialismo... Mas a violência contra alunas é responsável por evasão, doenças mentais e até tentativas de suicídio nós já encontramos. Encontramos casos gravíssimos de violência doméstica e sexual dentro do CRUSP, mas também nas festas dos cursos de elite.

Assim, temos lutado para construir uma política pública mais adequada para enfrentar esses casos. A Reitoria passada fez o USP Mulheres, mas inicialmente só queria fazer campanhas. É preciso mais do que isso, por isso a Rede colaborou com o USP Mulheres para fazer uma cartilha sobre violência sexual, assim como estamos batalhando junto com o USP Mulheres por mais algumas coisas, como um centro de referência para atendimento médico e psico-social, e uma pesquisa que trará dados sobre a magnitude do problema nesta universidade.

Por fim, cabe dizer que não basta por mais polícia no campus, pois os estupros de que falamos são aqueles que se dão entre colegas, amigos, namorados, colegas de classe. Não se trata apenas de um problema de segurança nas ruas e praças, embora isso também seja necessário. Por fim, é preciso conscientizar nossos colegas – docentes, funcionários e alunos – sobre a questão do assédio.

Então, mesmo dentro de um ambiente supostamente esclarecido e de alto nível educacional, a violência contra mulheres (e vemos também contra negros e pessoas LGBT) ainda é um problema grave a ser enfrentado, ao invés de ser abafado, como tem sido infelizmente a “tradição” desta universidade. E porque amamos esta universidade, queremos transformá-la em um ambiente mais seguro e mais alegre para todas e todos.