Nascimento de Monteiro Lobato

Autor de muitas obras infantis, o escritor é lembrado pela série de livros conhecida como "Sítio do Picapau Amarelo", onde criou um universo responsável por ensinar e dar voz às crianças

Por
Renan Braz
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Monteiro Lobato
"Monteiro Lobato foi um divisor de águas para a literatura infantil no Brasil em razão de ele inserir a voz da criança, com seus questionamentos e irreverências", explica o professor José Nicolau Gregorin Filho. (Arte: Ricardo Freire)

Quando falamos em literatura infantil brasileira, é comum pensarmos em Monteiro Lobato. Autor de diversas obras voltadas para o público infantil, dentre elas a série de livros conhecida como “Sítio do Picapau Amarelo”, o escritor criou um universo de personagens marcantes que, não apenas ensinavam, mas davam voz às crianças.

A relevância das obras de Monteiro Lobato, os debates recentes apontando conteúdos racistas em seus textos e como o autor pode ser lido hoje em dia nas escolas, foram
comentados em entrevista com o professor José Nicolau Gregorin Filho, docente do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da FFLCH USP.

Serviço de Comunicação Social: Qual a importância de Monteiro Lobato para a literatura infantojuvenil brasileira?

José Nicolau Gregorin Filho: Costuma-se dizer que Monteiro Lobato foi um divisor de águas para a literatura infantil no Brasil em razão de ele inserir a voz da criança, com seus questionamentos e irreverências. Essa criança, livre, está representada na boneca Emília, que faz muitas traquinagens e, de modo diferente de Pinóquio (outro boneco famoso na literatura infantil mundial), vai se humanizando a cada nova confusão que apronta.

Antes de Lobato, a literatura infantil no Brasil tinha um cunho pedagógico, era voltada estritamente para a educação e a voz de autoridade era muito marcada, além de apresentar uma linguagem bastante formal, já que servia à educação. Lobato trouxe textos com linguagem coloquial, interjeições e uma ilustração que dialogava muito de perto com a criança da época.

É importante perceber que Lobato tinha um projeto para educar as crianças para o que ele acreditava ser o futuro, isso inclui livros de prática pedagógica, tais como "A gramática de Emília" e aqueles de literatura, como "Memórias de Emília". Mas, em todos eles estava subjacente essa visão de um Brasil mais moderno, pelo menos na sua controversa concepção.

Serviço de Comunicação Social: Recentemente as obras de Monteiro Lobato foram taxadas de racistas. Você acompanhou essa questão? Poderia falar um pouco sobre este caso? Como as obras dele podem ser aproveitadas hoje na educação infantil?

José Nicolau Gregorin Filho:  Evidente que há traços do Brasil do início do século XX e o olhar de um homem da aristocracia rural a que Lobato pertencia. Desse modo, ele apresenta a visão de um Brasil recém saído da escravidão e carregado de termos hoje inadmissíveis para uma sociedade que luta contra os preconceitos. Isso na linguagem verbal e na linguagem visual, já que as ilustrações também acompanhavam esse pensamento dominante.

Serviço de Comunicação Social: Como as obras dele podem ser aproveitadas hoje na educação infantil?

José Nicolau Gregorin Filho: Nos dias de hoje, as obras de literatura infantil de Lobato poderiam ser oferecidas à criança, desde que contextualizadas, mostrando o contexto daquela época. Há que se perceber que a criança de hoje, imersa num universo tecnológico, talvez esteja distante da leitura de Lobato e de termos que, na época de sua escritura, apresentavam-se como coloquiais.

Talvez, Lobato tenha conseguido ser muito avançado e discriminado na sua época em virtude de suas ideias progressistas e seu relativismo de valores, fato que rendeu muitos problemas ao escritor e, hoje, numa sociedade que busca a igualdade de direitos, talvez seus livros tenham ficado datados e guardem as marcas desse Brasil do início do século passado. De qualquer modo, a literatura infantil no Brasil não seria o que é hoje, sem a contribuição de Lobato.