Entrevista com professor Marcos Antonio da Silva

Serviço de Comunicação Social: A mobilização de forças militares e da elite civil contra uma suposta ameaça comunista é motivação mais conhecida para a deposição do presidente João Goulart. Isso é correto? Quais fatores foram decisivos para sua queda em 1964?

Marcos Silva: Esse foi um argumento ideológico usado pelos golpistas para justificar o planejamento e a aplicação do golpe. Embora comunistas fizessem parte da base de apoio ao governo Goulart, as propostas de reforma que ele fazia integravam programas capitalistas, reforçavam a pequena propriedade, potencialmente reforçariam uma nova distribuição de renda que redundaria em novo perfil para o mercado interno - tudo isso faz parte do Capitalismo. Entendo que essas propostas foram o principal motivo de alarme para os golpistas internos e seus apoiadores internacionais, mais o reforço de cidadania que elas propiciariam e já estavam fomentando (lutas por direitos), com o fator complementar de que tais propostas obtinham boa repercussão junto ao eleitorado. Sem o golpe, Goulart ou um seu aliado teria grande força nas eleições para sua sucessão, dando continuidade àquelas propostas, ta lvez até ampliando seu alcance. 
 
Serviço de Comunicação Social: É possível apontar semelhanças entre o clima político pré-64 e o que vivemos atualmente?

Marcos Silva: A comparação entre diferentes épocas sempre realça diferenças mas isso não abole continuidades. A ditadura de 1964/1985 teve grandes continuidades no Brasil, tanto em ampla legislação mantida quanto em propostas e mesmo atores de prestígio - basta examinar o ministério de Sarney, quase um "Quem é quem" da ditadura. Uma ditadura não se apaga com uma eleição nem mesmo com uma Constituição, embora eleições e constituições sejam muito importantes. Penso que, num plano genérico, o que se assemelha muito é o clima conspiratório, a violência física contra opositores (mataram João Pedro Teixeira, liderança das Ligas Camponesas, antes do golpe; mataram Marielle Franco, liderança popular no Rio de Janeiro, muito recentemente), o grande poder econômico de golpistas e suas alian&c cedil;as internacionais de peso.
 
Serviço de Comunicação Social: O que aconteceu logo após a instauração do Regime Militar, no governo de Castelo Branco? E quais suas consequências?

Marcos Silva: Castelo Branco tinha liderança na tropa e fora dela, era um homem culto e recebeu apoios durante o tempo suficiente para que imensas violências fossem cometidas contra opositores (o comunista Gregório Bezerra foi torturado publicamente em Recife, como se sabe), fazendo de conta que aquilo não era ditadura. Ele conseguiu impor uma memória fake de dignidade, reiterada, dentre outros, por Elio Gaspari, que não corresponde à real truculência ditatorial de seu governo. Hoje em dia, dá a impressão de que Costa e Silva e o AI-5 nasceram do nada: mas houve AI-1, AI-2, AI-3, AI-4 antes, sob o primeiro ditador, e Castelo Branco teve Costa e Silva como ministro da Guerra etc. Não vejo sentido em falar numa ditadura elegante (Castelo Branco) e noutra grosseira (Costa e Silva): ditadura é ditadura, império da desordem e da insegurança nacional.
 
Serviço de Comunicação Social: Passados mais de 30 anos do seu fim, a visão sobre o regime militar começa a ser reavaliada e analisada (principalmente fora das Universidades e meios intelectuais) por outros aspectos que não os de uma ditadura, principalmente por pessoas que não viveram o auge do regime. Essa afirmação é correta? E que consequências podem acarretar?

Marcos Silva: A ditadura sempre fez de conta que era outra coisa. Ela foi implantada e mantida não apenas pelos militares, mas também por civis de Judiciário, Legislativo, Imprensa, setores da Universidade... Falar da ditadura como se ela fosse outra coisa é reiterar a ideologia daquele caos. As pessoas que não viveram o auge do regime podem e devem se informar em pesquisas históricas competentes (Caio Navarro Toledo, Eder Sader) sobre o que ocorria naquele tempo. E a crítica à ditadura não começou agora, a crítica acompanhou a ditadura desde seu começo. Endossar a ideologia que legitima a ditadura é manter a porta aberta para novas ditaduras, é aceitar a violência física contra opositores, como está ocorrendo em março de 2018 - assassinato de Marielle, tiros disparados contra a caravana de Lula no sul do Brasil.