Gênero popular por definição e comumente associado aos jovens, embora nunca tenha se restringido a esse público, a fantasia surge na virada do século XIX para o século XX, com obras de autores como George MacDonald, William Morris e L. Frank Baum. Categoria do insólito, caracteriza-se pela proposição de mundos ficcionais e sociedades escondidas e estruturadas segundo uma lógica não-mimética. Ao contrário dos gêneros fantástico e maravilhoso, que recuperam, respectivamente, o conflito entre a possibilidade de o sobrenatural irromper no mundo real e narrativas em que o elemento mágico aparece de forma absurda e naturalizada na tessitura da realidade, a fantasia surge como uma proposta de exercício especulativo de construção de mundos (worldbuinding). Nela, a lógica do “mundo primário” (dito “real”) é desconstruída e/ou alterada em algumas de suas instâncias (física, química, biológica, geográfica, histórica etc.), comumente retomando em alguma medida os conceitos de “magia” e de “criaturas fantásticas” como partes dessa outra realidade.
A fantasia, portanto, não advém de um questionamento da crença ou não no sobrenatural (como o fantástico), tampouco da incorporação da magia como um milagre a não ser questionado (como o maravilhoso). Em vez disso, prevê a reflexão sobre como – num exercício criativo com extrema consciência de sua ficcionalidade – a presença de elementos mágicos alteraria o desenvolvimento de uma dada sociedade secundária. A despeito dessa natureza essencialmente intelectual, o gênero foi, por muito tempo, rotulado como uma literatura simplista, escapista, como se seu único valor fosse entreter. Essa visão não se sustenta, já que, quando nos debruçamos de fato sobre esse material é possível constar que a construção de universos imaginários não impossibilita a abordagem de temas importantes da realidade primária.
Com isso em mente, nesta II Jornada de Estudos Insólitos da USP, propomos demonstrar como o gênero fantasia (e seus variados subgêneros e categorias híbridas) não apenas, com frequência, se preocupa em trazer à tona questões societais e os ditos “temas fraturantes” ou “sensíveis’ como, em muitos casos, o faz de forma pioneira em relação às literaturas miméticas. Em outras palavras, buscaremos “desconstruir” a ideia de escapismo, rótulo injustamente associado a esse gênero, defendendo seu aspecto engajado e consciente das problemáticas sociais.
Em cada apresentação, será priorizado o debate teórico de um tema fraturante em particular (como as questões identitárias em geral, o feminismo, a ecologia, o especismo, a religião e a intolerância religiosa, o racismo, a sexualidade, dentre várias outras temáticas possíveis), e a forma como vem sendo trabalhado em obras de fantasia, a partir de estudos de caso e/ou de comparações panorâmicas.
Além de proporcionar um espaço de reflexão sobre a fantasia enquanto gênero ainda pouco estudado no Brasil, esse evento intenta apresentar aos alunos de letras, pesquisadores e interessados em geral, uma introdução a essa categoria, lendo-a sob a perspectiva desafiadora de desconstruir o preconceito que por tanto tempo imperou na crítica universitária brasileira, apesar da imensa popularidade do gênero, sua presença na cultura pop e seu consequente impacto no imaginário contemporâneo. A jornada é organizada em parceria pelos grupos de pesquisa Produções Culturais e Literárias para Crianças e Jovens, da USP, liderado por Maria Zilda Cunha e Ricardo Iannace e Nós do Insólito: vertentes da ficção, da teoria e da crítica, sediado na UERJ, sob liderança de Flavio García e Bruno Anselmi Matangrano, buscando estreitar laços entre esses dois centros de pesquisa do insólito.
Organização:
Bruno Anselmi Matangrano
(Docente na École Normale Supérieure de Lyon – ENS/Lyon, Colíder do GP Nós do Insólito – UERJ e membro do GPPLCCJ)
Lígia Regina Máximo Cavalari Menna
(Docente na Universidade Presbiteriana Mackenzie – UPM e membro do GPPLCCJ)
Nathália Xavier Thomaz
(Doutora Egressa pela Universidade de São Paulo – USP e membro do GPPLCCJ)
Coordenação geral:
Maria Zilda da Cunha
(Docente na Universidade de São Paulo – USP e Líder do GPPLCCJ)
Realização:
Grupos de pesquisa:
Produções Literárias e Culturais para Crianças e Jovens – GPPLCCJ (FFLCH-USP)
Nós do Insólito: vertentes da ficção, da teoria e da crítica (UERJ)