O cânone literário vem sendo tema para inúmeros debates. Por um lado, frente à presença de corpos das dissidências nos espaços acadêmicos, e, por outro, aos retrocessos políticos, portanto faz-se necessário repensar escolhas e estratégias de abordagem do texto literário.
O que se chama de obra canônica é, em parte, fruto de eleição feita por mediadores (críticos, historiadores, escritores, jornalistas, editores) a respeito do que lhes pareceu – e parece – exemplar tanto na forma quanto no conteúdo dos textos. Tal eleição, como se sabe, está atravessada por critérios estéticos, mas, também, ideológicos. Contudo, antes de reduzir os clássicos a meros produtos das ideologias dominantes, entende-se que seu poder comunicativo deva ter afetado a vida dos mais diferentes leitores e seus grupos sociais, ajudando-os a repensar o mundo em que viviam e vivem.
Historicamente, o cânone tende a favorecer certos grupos sociais em detrimento de outros. Eleição pressupõe, também, exclusão, e, apesar das mudanças mais recentes, seguem ainda minoritárias, no cânone brasileiro contemporâneo, as vozes das mulheres, dos negros e dos indígenas, para citarmos três exemplos. Acredita-se que cabe ao crítico e ao intelectual a tarefa de questionar a formação do cânone. Trata-se, antes de tudo, de refletir sobre as razões da seleção e sobre os mediadores que fazem e reforçam as escolhas, sobretudo porque se trata de uma literatura produzida em um país que ainda vive os resquícios da lógica colonial.
Refletir sobre a dificuldade de modalizar algo tão sensível, sem reduções ou polarizações, é a tarefa a que se propõe este seminário, colocando questões como: o que dizem os escritores, críticos e historiadores da literatura brasileira sobre as configurações do cânone literário? Como abrir caminhos no cânone literário para as diversas vozes que foram silenciadas ao longo dos séculos? Como tornar o cânone um reflexo mais fiel da pluralidade que nos rodeia? Como pensar a questão do cânone dentro do mercado editorial? Em que medida um contra-cânone pode modificar as práticas literárias de difusão, leitura e ensino? E, finalmente, como reconhecer e saber diferenciar forças contra-ideológicas a discursos de poder (e de mercado), dentro e fora do cânone.
O 10º Seminário do Programa de Pós-Graduação em Literatura Brasileira da FFLCH/USP, intitulado “Entre vozes e silêncios: reconfigurações do cânone brasileiro”, propõe um debate, com conferências, mesas-redondas e apresentações, que visem explorar diferentes perspectivas sobre o tema.