Os estados nacionais que se formaram a partir da experiência colonial no século XIX elegeram como uma das suas instituições fundamentais a chamada “Biblioteca Nacional”, herdeira das bibliotecas reais do século anterior. Assim é que uma das primeiras ações do rei D. João VI, ao aportar no Brasil em 1808, foi a fundação da Real Biblioteca no Rio de Janeiro, a qual, após a independência política do Brasil, passou a se intitular Biblioteca Nacional e constituiu um dos principais símbolos da nova nação. Detentora de um acervo em grande parte originário da Real Livraria portuguesa, a Biblioteca Nacional do Brasil representou uma tentativa de compor um acervo demonstrativo da civilidade da nova nação, incorporando de modo subalterno o legado de índios e afroasiáticos. Nas narrativas de fundação do império português e, posteriormente, do estado nacional brasileiro, ameríndios, africanos e asiáticos permaneceram como atores a-históricos, não lhes sendo concedido um lugar de escrita e memorização. Aspectos dos saberes e da literatura indígena, africana e asiática, em outros registros que não o europeu, se mantiveram ausentes ou laterais. A finalidade do nosso evento é reunir pesquisadores que possam refletir
sobre a dimensão do acervo afro-asiático hoje pulverizado em bibliotecas e arquivos brasileiros. O resgate dessa memória nos parece fundamental para que a presença afro-asiática na constituição de uma biblioteca brasiliana se imponha para as novas gerações de pesquisadores e para a sociedade como um todo. Visando a uma inteireza do trabalho, a recolha deve contemplar necessariamente, em movimento simétrico, a identificação de acervo de temática brasileira em arquivos da África (nomeadamente Angola e
Moçambique) e do antigo Estado da Índia. Assim, nosso projeto toma a data de 1823 como terminus ad quem da identidade administrativa comum que compreendia Portugal, Brasil e regiões da África e da Ásia, razão pela qual a realização desse evento no ano de 2023, em São Paulo e na Bahia, se reveste de singular importância.
