Grande autora do modernismo, Cecília escreveu a famosa coletânea "Romanceiro da Inconfidência" e livros infantis como "Ou Isto ou Aquilo"
Ao lado de outros autores como Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos e Clarice Lispector, Cecília Meireles foi um dos grandes nomes do modernismo literário brasileiro. Nascida no Rio de Janeiro em 7 de novembro de 1901, Cecília foi poetisa, escritora, cronista, tradutora e professora - entre outras ocupações - e escreveu obras que são até hoje relevantes para a cultura do Brasil. Sua coletânea de poemas Romanceiro da Inconfidência, que conta a história da Inconfidência Mineira, integra a lista de leituras obrigatórias do vestibular da Fuvest (Fundação Universitária para o Vestibular).
A sensibilidade e a delicadeza estão sempre presentes nas obras de Cecília, que foi mãe de três meninas e escreveu, ainda, literatura infantil, conectando-se com as crianças. Seus livros transitam por diversos tópicos, de questões históricas a temas mais subjetivos, como o amor e a solidão. “Cecília é, acima de tudo, um ser humano ímpar, uma grande alma à frente de seu tempo”, opina Vivian Caroline Fernandes Lopes, educadora social e doutora em Literatura Brasileira pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
Cecília também foi jornalista, e frequentava as redações do Rio de Janeiro, mostrando-se independente e uma mulher evoluída quanto aos padrões impostos ao sexo feminino na época. Essa característica, unida ao seu gosto pela cultura (a autora fundou a primeira biblioteca destinada a crianças no Brasil), mostra que Cecília era, à sua própria maneira, uma figura importante nas lutas sociais. Confira a entrevista completa com Vivian Caroline Fernandes Lopes:
Serviço de Comunicação Social: Você poderia comentar brevemente sobre quem foi Cecília Meireles, para os leitores que ainda não a conhecem?
Vivian Caroline Fernandes Lopes: Cecília é uma mulher forte e sensível, poeta da efemeridade, do mar, do ar, dos ínfimos movimentos de vida (e dos grandes e arrebatadores também), observadora silenciosa de crianças, capaz de apreender o olhar infantil para o mundo e para as coisas. Cronista, educadora e tradutora que imprimiu em sua extensa obra questões existencialistas, universalistas. Pensadora da arte, da escola, pesquisadora da cultura e tradição brasileira (para esta última produziu também uma série de desenhos), a artista ainda é mãe de três meninas e lidou com a perda de figuras importantes em sua jornada, como a mãe, o pai, o primeiro marido e sua avó, que a criou. Cecília é, acima de tudo, um ser humano ímpar, uma grande alma à frente de seu tempo.
Serviço de Comunicação Social: Quais elementos caracterizam a escrita da autora?
Vivian Caroline Fernandes Lopes: A sensibilidade, a musicalidade e um olhar único são encontrados em todo material produzido por Cecília, seja escrito ou plástico. As Crônicas de Educação são um importantíssimo registro social e histórico de conceitos, comportamentos e opiniões que ainda hoje não fomos capazes de alcançar nas escolas brasileiras; as Crônicas de Viagem são um mergulho na cultura de diferentes países, lugares, regiões e a tudo se liga um aspecto humanista, com o qual Cecília alimenta também sua lírica; a literatura infantil (crônicas e poesia) se comunica com a alma da criança, cria significado e discute questões importantes através de brincadeiras e jogos de palavras; e, por fim, sua grandiosa obra poética, que ao longo de mais de quarenta anos de produção, perpassa com excelência por temas que variam de históricos, como Romanceiro da Inconfidência, lendas escandinavas, como Baladas para el-rei, quadras populares, como em Morena, pena de amor e motes como o amor, o mar, a solidão, a efemeridade da vida em Retrato Natural, Viagem, Vaga Música, Mar Absoluto, entre outros.
Serviço de Comunicação Social: Quais foram as suas principais contribuições para a literatura? Em sua análise, como elas repercutem atualmente?
Vivian Caroline Fernandes Lopes: Cecília foi uma figura social importante, além de poeta e escritora. Uma mulher que nos anos de 1920 frequentava as redações de revistas no Rio de Janeiro, independente, no que cabia ao sexo feminino neste momento histórico brasileiro, professora e criadora da primeira biblioteca destinada a crianças de nosso país, articuladora e entusiasta cultural. Todas essas características permanecem impregnadas em sua produção poética, ainda que alguns críticos insistam em dizer que sua alma artística foge à luta social.
Sua obra poética ainda é pouco estudada e, portanto, fica centralizada em alguns livros, especialmente agora que está elencada entre as leituras obrigatórias de vestibular com Romanceiro da Inconfidência. Há inúmeros poemas dispersos que foram reunidos e nos trazem também a riqueza de sua produção sempre cuidadosa e melancólica, além dos livros tidos como mais maduros, publicados entre 1939 e 1949.
Cecília é uma poeta essencial ao modernismo brasileiro; seus versos ritmados, musicais, sua poesia que obedece a estruturas tidas como tradicionais mostra que a modernidade (e mesmo a contemporaneidade) não se sustenta apenas na forma, mas nas atitudes e na maneira como se vê o objeto. Um exemplo pode ser encontrado no livro citado acima, no qual a poeta trabalha com uma forma medieval para um tema do período do barroco brasileiro (o primeiro movimento de independência), denunciado em suas características individualistas. Para tanto, Cecília escolhe personagens laterais que irão compor sua narrativa, desde os cavalos, um homem bêbado que observa a multidão, mulheres de diversos locais e camadas sociais, além de Tiradentes e as demais figuras já conhecidas do episódio histórico.
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Vivian Caroline Fernandes Lopes é educadora social atuante na periferia de São Paulo com projetos de incentivo à leitura e escrita em diálogo com música, dança e pintura. Doutora em Literatura Brasileira, estuda a relação entre palavra e imagem, poesia e pintura, literatura e artes. Foi vencedora do Prêmio Jabuti 2015, na categoria Paradidático com a Coleção Arte é Infância, que conta com nove títulos publicados.