Semana de Arte Moderna

Importante marco do modernismo, Semana de 22 buscava uma renovação estética, cultural e artística

Por
Gabriela Ferrari Toquetti
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“Os promotores da Semana, questionando a majestosa celebração do Primeiro Centenário da Independência, resolvem comemorar o que haveria de ser o novo século 20 e não rememorar o passado”, afirma Maria de Lourdes Eleutério – Arte: Gabriela Ferrari Toquetti

O dia 13 de fevereiro de 1922 marcou o início da Semana de Arte Moderna, que durou até 17 de fevereiro do mesmo ano e foi um símbolo do movimento modernista brasileiro. O evento foi realizado em São Paulo, que passava por um processo de industrialização e reunia uma grande comunidade de imigrantes. No ano de 1922, comemorava-se o primeiro centenário da independência do Brasil – ocorrida em 1822 – e a Semana de Arte Moderna pretendia simbolizar um olhar para o futuro do século 20 em detrimento de uma celebração do passado.

O principal objetivo do evento, também chamado de Semana de 22, era a renovação estética, cultural e artística. Vários nomes foram referência no movimento (e são até hoje), como Anita Malfatti e Di Cavalcanti nas artes visuais, Mário e Oswald de Andrade na literatura e Heitor Villa-Lobos na música.

A Semana de Arte Moderna buscou romper com os padrões vigentes na época e construir uma arte verdadeiramente brasileira, tornando-se um importante marco na história da nossa cultura. “A poética modernista envolveu o exercício da liberdade de forma de expressão, recursos de intertextualidade como a paródia, o uso da linguagem coloquial e de fatos cotidianos, a descontinuidade cronológica e espacial, o humor, pesquisas folclóricas”, explica Maria de Lourdes Eleutério, doutora em Sociologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Confira a entrevista completa:

Serviço de Comunicação Social: Qual foi o contexto histórico no Brasil que levou à realização da Semana de Arte Moderna de 1922?

Maria de Lourdes Eleutério: A Semana ocorreu em São Paulo, que se industrializava celeremente e transfigurava o espaço urbano, e onde confluíam uma polifonia de vozes e costumes dos imigrantes, especialmente italianos e espanhóis. Os promotores da Semana, questionando a majestosa celebração do Primeiro Centenário da Independência, resolvem comemorar o que haveria de ser o novo século 20 e não rememorar o passado, numa perspectiva de medição de forças políticas e principalmente econômicas, advindas da acumulação de capital oriundo da cafeicultura e aplicado na industrialização.

No mesmo ano de 1922, tivemos também a Fundação do Partido Comunista, demonstrando uma crescente reivindicação operária, que tencionaria a até então pacata São Paulo com greves, como a ocorrida em 1917, e paralisações operárias constantes.

Serviço de Comunicação Social: Como foi a Semana de 22 e qual era seu intuito? Quais artistas e autores participaram do evento?

Maria de Lourdes Eleutério: O intuito era a renovação estética. A poética modernista envolveu o exercício da liberdade de forma de expressão, recursos de intertextualidade como a paródia, o uso da linguagem coloquial e de fatos cotidianos, a descontinuidade cronológica e espacial, o humor, pesquisas folclóricas.

Nas artes visuais, a figura exponencial da Semana foi Anita Malfatti, que, em 1917, havia realizado em São Paulo uma exposição com telas trazidas de seus estudos na Alemanha e EUA, que muito impressionaram os Andrade – Mário e Oswald –, motivando os dois modernistas a promoverem a artista e se tornarem líderes no projeto de se fazer uma Semana, em realidade ocorrida em três noites, para externas novas propostas estéticas.

Para dar uma legitimidade à Semana, houve a adesão de Paulo Prado, o chefe da família mais poderosa em termos econômico-políticos de São Paulo, estado que despontava como o mais rico do país, além do diplomata e escritor Graça Aranha, que era membro da Academia Brasileira de Letras e deu início à Semana, proferindo a conferência “A emoção estética na arte moderna”.

Um importante artista partícipe da Semana com várias obras, mas que não esteve presente, foi o pernambucano Vicente do Rego Monteiro, que já havia estudado em Paris e tematizava a cultura amazônica, sobretudo a arte marajoara.

Entre outros artistas visuais, estiveram na Semana Di Cavalcanti, Victor Brecheret e Zina Aita. Entre poetas e escritores, destacamos Menotti Del Picchia e Guilherme de Almeida, que migraram para uma poética nacionalista. Oportuno lembrar o poeta Luís Aranha, muito jovem, mas com uma vigorosa poesia como a declamada na ocasião Drogaria de éter e sombra.

E, na música, o nome de referência é Heitor Villa-Lobos. Nas três noites da Semana foram ouvidas as obras do compositor, interpretadas pela pianista Guiomar Novaes, como O Ginete do Pierrozinho, que executou também Claude Debussy, entre outros compositores estrangeiros.

Outros compositores atuaram como pianistas, caso de Frutuoso Viana e Ernani Braga, além da pianista Lucília Guimarães Villa-Lobos, primeira esposa de Villa-Lobos.

Houve uma apresentação de dança com Yvonne Daumerie, entretanto pouco se sabe da participação da bailarina. Há, ainda, muitas lacunas sobre a Semana…

Serviço de Comunicação Social: Quais foram os impactos da Semana de 22 na cultura e nas artes brasileiras?

Maria de Lourdes Eleutério: Os impactos foram muitos, como pudemos aquilatar nos festejos do seu centenário, no ano passado. Realizaram-se muitos debates, publicações e exposições, inclusive, de grande valia para a reflexão que pressupõe tantas outras produções artísticas, em todo o Brasil, ao longo do século 20 e início do 21, cujo projeto nodal é a contestação de nossa colonização mental, intelectual e cultural, não só no campo das artes.

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Maria de Lourdes Eleutério é mestre em História e doutora em Sociologia pela FFLCH da USP. Atualmente é professora da Fundação Armando Álvares Penteado. Atua principalmente nos seguintes temas: literatura, história, Oswald de Andrade, artes e memória.