Canônica obra naturalista de Aluísio Azevedo aborda temáticas sociais, se faz atual pelos seus questionamentos quanto à sociedade brasileira e é rica fonte para pesquisas de pós-graduação no contexto acadêmico
Em 1890, foi lançado o romance O cortiço pelo escritor maranhense Aluísio Azevedo. É considerada uma obra de excelência do movimento chamado naturalista no contexto da literatura brasileira. O pesquisador da área de Semiótica da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP Eduardo Prachedes Queiroz explica como o fio condutor do livro é o próprio cortiço, localizado na cidade do Rio de Janeiro do fim do século 19, e ele conecta diversas outras narrativas de personagens descritivas da sociedade.
A temática social da obra a torna prestigiosa e suscita tanto o interesse do leitor atual para questionar problemas contemporâneos quanto o de pesquisadores em áreas variadas oferecidas pelos programas de pós-graduação da FFLCH. “O romance explora, por exemplo, os temas da pobreza e da riqueza, da ascensão financeira e social, supostas diferenças comportamentais entre brasileiros e portugueses, questões raciais – em que se enxergam hierarquias – e mesmo o abolicionismo, ainda que de maneira tangencial”, conforme elabora Eduardo Queiroz.
O cortiço faz parte do cânone da literatura brasileira e já esteve na lista de leituras obrigatórias de vestibulares como a Fuvest. Ademais, “continua ganhando novas edições e reimpressões mesmo após mais de 130 anos [...], além de ganhar adaptações para o teatro e HQs”, nas palavras do pesquisador.
Confira a entrevista completa concedida por Eduardo Prachedes Queiroz a respeito do romance:
Serviço de Comunicação Social: De que trata o livro O cortiço, de modo geral, e em qual contexto literário está inserido?
Eduardo Prachedes Queiroz: O cortiço é um romance que trata principalmente do surgimento, ascensão, declínio e retomada – de maneira gentrificada – de um cortiço no Rio de Janeiro. Esse cortiço pode ser apontado como a principal personagem do romance e é o que conecta todos os fios narrativos presentes na obra. Esses diversos fios narrativos que acompanham a história do cortiço versam sobre a vida de numerosas personagens, como os portugueses João Romão, Miranda e Jerônimo, bem como de personagens brasileiras como Rita Baiana, Firmo e Bertoleza. A respeito dessas personagens, o leitor fica conhecendo histórias de traições de diferentes naturezas, privações pelas quais passam, suas ambições e suas dificuldades. O romance é provavelmente a mais importante obra naturalista do Brasil.
Serviço de Comunicação Social: Quais os temas principais abordados por Aluísio Azevedo na obra e qual a importância dela para a literatura nacional?
Eduardo Prachedes Queiroz: Talvez por ter sido escrito como uma tentativa de retrato do que seria o Brasil de então, O cortiço trata de diversos temas sociais. O romance explora, por exemplo, os temas da pobreza e da riqueza, da ascensão financeira e social, supostas diferenças comportamentais entre brasileiros e portugueses, questões raciais – em que se enxergam hierarquias – e mesmo o abolicionismo, ainda que de maneira tangencial. O romance entrou para o cânone da literatura brasileira, com prestígio que o faz figurar muitas vezes, por exemplo, nas listas de vestibulares para ingresso em universidades, como a Fuvest. Obra de excelência do naturalismo brasileiro, O cortiço continua ganhando novas edições e reimpressões mesmo após mais de 130 anos desde a sua primeira publicação, em 1890, além de ganhar adaptações para o teatro e HQs.
Serviço de Comunicação Social: Como a obra é inserida, estudada e recebida atualmente no contexto acadêmico da FFLCH (baseando-se no seu conhecimento e experiência)?
Eduardo Prachedes Queiroz: Como a obra toca diretamente em questões sociais e raciais, ela é passível de pesquisa não apenas na área de Estudos Literários, mas também em outros campos. No que diz respeito ao romance como objeto de pesquisa na pós-graduação, é possível transitar pelas áreas de interesse da Literatura, pela Semiótica e pela Análise do Discurso, tocar em questões que interessam aos Estudos Culturais no que tange à raça e assim por diante. Com minha pesquisa, por exemplo, realizada no âmbito do Programa de Semiótica e Linguística Geral na FFLCH-USP, participei de eventos passando por essas áreas e mobilizei ferramental teórico e bibliografias, em diferentes níveis de aprofundamento, indo desde a Semiótica até a psicanálise.
Como muitas das problemáticas de nossa sociedade podem ser notadas em O cortiço – o que torna a obra bastante atual – o livro constitui um terreno fértil para o cultivo de estudos também na atualidade. Pode-se comparar as ideias que Gilberto Freyre registrou em Casa Grande e Senzala a respeito da raça – e que em certa medida ainda podem ser notadas em muitos discursos em nossos dias – com aquilo que se nota em O cortiço; examinar a presença das mulheres negras no romance em contraste com o que disse Lélia Gonzalez sobre a mulata e a doméstica; problematizar as ideias de Antonio Candido no texto “De cortiço a cortiço”... As possibilidades são muitas, parecem não acabar. Por conta da envergadura da obra, pelo que ela representa na sociedade brasileira, pelos temas nela tratados, seja de maneira mais direta, seja tangencialmente, O cortiço é uma fonte muito rica para pesquisa acadêmica.
Eduardo Prachedes Queiroz é mestre e atualmente doutorando em Semiótica e Linguística Geral pela FFLCH-USP, possui especialização em Língua Portuguesa e Literatura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e é graduado em Tradução e Interpretação pela Universidade Nove de Julho. Desde 2019 é integrante do grupo "Semiótica: modelos teóricos e descritivos" do LabOrES (Laboratório de Orientação em Estudos Semióticos da USP) e faz parte do comitê executivo do “Grupo de Estudos Introdutórios em Semiótica Discursiva” do LabOrino.