Pesquisa da USP mostra a integração na região amazônica e como empresas concorrem para realizar o transporte de pessoas

Doutorado descobriu os detalhes do transporte rodoviário de passageiros no Norte desde o começo de sua construção até os dias de hoje

Por
Thais Morimoto
Data de Publicação

Foto: Arquivo pessoal / Thiago Oliveira Neto

“Quando falamos de região amazônica e transporte, pensamos em precariedade total: ônibus sem ar-condicionado, pau de arara e estradas lamacentas ou empoeiradas”, afirma o pesquisador Thiago Oliveira Neto. Após viajar mais de 30 mil quilômetros na região, Neto conta que essa impressão do Norte não reflete a realidade do transporte rodoviário de passageiros na região. 

Thiago Oliveira Neto - Foto: Arquivo pessoal / Thiago Oliveira Neto

“Nem todas as estradas na Amazônia são asfaltadas. Por outro lado, quase todos os ônibus que eu peguei tinham ar-condicionado e poltrona reclinável, por exemplo, então, hoje é uma outra configuração, com várias empresas operando”, explica o pesquisador. 

Neto defendeu a tese de doutorado O transporte rodoviário de passageiros na Amazônia brasileira no âmbito do programa de pós-graduação em Geografia Humana da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e recebeu orientação do professor Hervé Émilien René Théry. 
 

Uma passagem pela história

Para entender as dinâmicas e as transformações na atividade de transporte de passageiros na Amazônia, Neto fez um levantamento por meio de jornais disponibilizados na Biblioteca Nacional e realizou a pesquisa de campo, passando por diversas áreas da região para analisar os transportes no período atual.

“Existem pouquíssimos trabalhos que abordam historicamente a construção das estradas, a organização e não existe uma sistematização de dados robusta sobre a atividade de transporte na Amazônia. Há informações, mas não estão tão sólidas e nem organizadas”.

Neto ainda destaca que o transporte na Amazônia apresentou várias mudanças desde os anos de 1960 até o período contemporâneo: 
 

A evolução do transporte na região amazônica

Anos 1960 e 1970

Processo de deslocamento das oportunidades econômicas para a região amazônica, com investimento do Estado, e começo das construções de estradas na região amazônica. A infraestrutura é precária e muitos ônibus quebram.

Anos 1970 até os anos 2000

Período que diminui bastante os investimentos do Estado e infraestruturas ficam muito precárias. Mas a dinâmica de transporte continua. Há pequenas empresas regionais que atuam principalmente em deslocamentos intermunicipais longos, mas muitas faliram.

Anos 2000 até 2015

Grupos de elite conseguem captar recursos e investir na atividade de transporte de passageiros. É um período em que acontecem vários investimentos em infraestrutura. Criação de novas empresas e fluxo mais denso de passageiros entre os lugares, consolidação e ampliação de estradas. 

Anos 2015 para cá  

Potencialização da concorrência entre empresas e surgimento de novas modalidades de transporte como empresas high tech, que só funcionam, por exemplo, se a pessoa possuir celular para comprar passagem. 
 

É monopólio?

O estudo buscou identificar a evolução do transporte e como se caracterizam as empresas que operam na região. Em 1982, o botânico Charles L. Wright observou que boa parte do transporte rodoviário interestadual no Brasil era monopolizado. Com base na afirmação, o pesquisador buscou entender se a característica era válida para o Norte e quais empresas operam na região após 40 anos.  

De acordo com Neto, na década de 1960, quando as construções das estradas começaram, muitas das empresas que operavam no segmento eram do Sul e do Sudeste do país, e havia mais monopólios. 

Mas, por meio da pesquisa de campo, ele identificou que atualmente a maior parte da Amazônia não tem mais a configuração de monopólio. Neto explica que realmente existem as viações nacionais que operam tanto no Sudeste quanto no Norte, como Ouro e Prata, porém também há mais iniciativas que realizam o transporte rodoviário de passageiros na Amazônia. Outros grupos empresariais, cooperativas de transportes e táxis-lotação são alguns exemplos que concorrem com as viações nacionais. 

Com as melhorias na infraestrutura de transporte na região amazônica, o tempo de deslocamento diminuiu com o tempo - Fotos: Arquivo pessoal / Thiago Oliveira Neto (2022)

A existência de maior concorrência nos dias de hoje pode ter relação com as melhorias no interior dos veículos. “Se há muitas empresas concorrendo, isso acaba forçando a aquisição de veículos mais confortáveis, que disponibilizam, por exemplo, banheiro, internet e outros recursos. Mesmo assim, em alguns casos ocorre a precarização do trabalho”, afirma Neto.
Apesar dessa concorrência maior, uma outra parte da pesquisa mostrou que ainda existe monopólio na região. O pesquisador identificou que no Estado do Pará há uma predominância forte de duas cooperativas em uma das maiores linhas intermunicipais, que tem cerca de 1.200 km de extensão. “Seria possível ligar São Paulo e dois ou três estados ou daria para cruzar uma boa parte do Nordeste brasileiro”, explica Neto.  

Além da configuração das empresas que atuam no setor, o pesquisador trouxe outros dados sobre a evolução no transporte. Neto conversou com motoristas e passageiros que moram na região amazônica e eles relataram que uma viagem de 2.000 km antes demorava cerca de uma semana, agora, com as melhorias na infraestrutura, o tempo reduziu para dois dias ou até menos. 
 

Diferentes ônibus são usados no transporte de passageiros - Fotos: Arquivo pessoal / Thiago Oliveira Neto (2023)

Transporte e desmatamento

Neto também notou a correlação entre as atividades econômicas desenvolvidas na região amazônica e a dinâmica de transporte. Áreas de garimpo e de expansão da pecuária, por exemplo, retroalimentam a atividade de transporte na Amazônia, principalmente no segmento de táxi-lotação. Há ainda o uso de picapes e carros de tração 4x4 para transportar passageiros entre as cidades. 

Vários transportes diferentes são usados na região amazônica - Fotos: Arquivo pessoal / Thiago Oliveira Neto (2022)

O estudo ainda abordou a correlação entre o transporte e o desmatamento. “Nos anos 1960 e 1970, o Estado incentivou muito a imigração para a região amazônica e o transporte de passageiros foi fundamental nesses fluxos migratórios”. O pesquisador também chama atenção para a existência de uma faixa pioneira de transformação com desmatamento na região que não tem mais a forma do antigo “arco do desmatamento”. 

Mapa elaborado por Thiago Oliveira Neto durante a pesquisa de doutorado.