Nas décadas de 1920 e 1930, ambos os países criaram diversas políticas culturais e educativas para cultivar o espírito de nacionalismo nos pequenos. O pretexto era de unir a nação e combater manifestações culturais de estrangeiros
Assim como a maioria dos países da América Latina, o Brasil e o México são formados por uma mistura de povos, sejam de indígenas, africanos, europeus ou asiáticos. Apesar dessa diversidade cultural, houve, nos anos 1920 e 1930, um processo de nacionalização das crianças em ambos os países, conforme revela um estudo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. No Brasil, ela aconteceu através de danças folclóricas que exaltavam a cultura e os elementos da natureza brasileira. Já no México, houve o ensino em massa do espanhol e a reprodução de histórias heroicas que enalteciam figuras mexicanas.
Para além de entender como e porquê aconteceu essa nacionalização em crianças, em sua tese de doutorado, o cientista social Marcos Vinicius Moraes analisou e comparou quais políticas culturais e educativas os governos implementaram em cada país. O pesquisador escolheu esses dois países por identificar similaridades na concepção do que era nacionalidade: “Tanto o México como o Brasil acreditavam na educação infantil como transformadora social da nação. Mas havia algumas diferenças nos motivos dessa nacionalização. Enquanto no México, temos o governo tentando integrar as comunidades indígenas à sociedade através do ensino do espanhol, no Brasil, havia o problema do estrangeiro e quais ameaças eles ofereciam para a busca da nacionalidade”, explica Marcos.
Em sua investigação, o pesquisador recorreu às publicações de dois periódicos: o El Maestro: revista de cultura nacional, do México, e a Revista do Arquivo Municipal de São Paulo, do Brasil. Elas foram criadas especialmente para oferecer recursos didáticos e pedagógicos aos professores e familiares.
México: Unir los niños
No México, o pesquisador explica que a necessidade de cultivar um espírito de nacionalismo nos pequeninos veio de um momento pós-guerra e revolução. Em 1910, após passar por um conflito armado que resultou em uma grande destruição no país, os mexicanos saíram vitoriosos com a Revolução Mexicana. "Nesse período, o país estava em um processo de reconstrução, com o discurso de que era preciso criar um México e unir as pessoas. Havia um anseio por uma transformação e a educação era vista como um dos elementos centrais para isso", explica Marcos.
Em 1917, surge a primeira constituição e, de 1921 a 1923, há o desenvolvimento de uma série de diretrizes para a educação pelo José Vasconcelos, secretário da Educação Pública do país. Ele defendia, sobretudo, uma educação moderna. Para isso, Vasconcelos lança, em 1921, a Revista El Maestro, que continha desde campanhas educacionais e sociais, até recursos pedagógicos para professores e uma sessão de desenhos e histórias infantis para crianças. "Apesar de ter um caráter mais enciclopédico e voltado para os educadores, ela era vista como uma revista para todos e vai, de fato, alcançar as pessoas e passar a mensagem dessa nova nacionalidade mexicana".
Em suas campanhas, a revista reforçava a importância da alfabetização da população e como a sociedade poderia se unir para isso. Havia também o combate ao alcoolismo, um problema que, na época, atingia não só adultos como crianças: "O pulque era uma bebida mexicana que destruía a população do centro e as próprias crianças a tomavam a partir de seus pais alcoólatras, já que era mais barata que leite. Então a revista se propunha também a trazer uma reforma moral e social", comenta Marcos.
Para as crianças, havia uma sessão especial com histórias e brincadeiras, a sessão Aladino. "Nela, temos diversas histórias de personagens políticos mexicanos que eram heróis e se sacrificaram pelo seu país, reforçando esse caráter nacionalizante". Marcos também destaca a influência que a revista teve nas mães: "Elas são chamadas a cumprir seu papel e sua missão, que é formar o filho para o futuro da nação mexicana". Esse discurso também era reforçado sobre a importância das crianças comparecerem à escola e dos professores em ensinar o espanhol, principalmente nas comunidades indígenas.
Brasil e os imigrantes
No Brasil, os discursos sobre nacionalidade se intensificaram na Era Vargas. Com a aprovação da Constituição em 1932, houve uma série de transformações sócio-políticas e de campanhas que propagavam um novo Brasil, contemporâneo e moderno. São Paulo, por fazer parte do governo constitucional, contribuiu com ações para a educação.
A participação ativa de São Paulo nas políticas educativas estava também relacionada ao seu contexto geográfico, uma vez que a cidade continha um grande número de imigrantes, como italianos, franceses, japoneses e sírios-libaneses. E eles eram vistos como uma ameaça para essa construção e busca da nova nacionalidade: "Percebia-se uma contribuição dos imigrantes pensando no projeto do embranquecimento. Mas agora surgia um problema do ponto de vista cultural: Havia uma preocupação com os imigrantes que não se assimilavam e o que isso oferecia de perigos à nacionalidade", destaca o pesquisador.
Uma das ações da cidade foi criar os parques infantis, espaços que recebiam crianças de até 12 anos: "Esses parques foram instituições extra curriculares, na qual se pretendia que as crianças os frequentassem depois da escola. Lá, elas eram identificadas e realizavam diversas atividades, como desenhos, pinturas, leitura de livros e danças". O responsável pela criação dos parques foi Mário de Andrade, então gestor cultural. "Ele vai ser colocado como gestor cultural justamente para lidar com esse problema da assimilação do estrangeiro na cidade de São Paulo".
As danças folclóricas eram vistas como uma forma de exaltar a cultura e a natureza das diferentes regiões brasileiras: "As danças eram trazidas como um elemento pedagógico fundamental para as crianças se conectarem com o seu passado. Mas tinha um problema aí: aquele não era o passado dos netos dos estrangeiros. Então, há uma tentativa de constituí-los ao novo Brasil, o que resultava em um apagamento e xenofobia com outros povos".
Enquanto gestor cultural, Mário de Andrade criou a Revista de Arquivo Municipal de São Paulo, em 1934: "O objetivo dela inicialmente era a publicação de textos e estudos sobre a história de São Paulo. Só que ela se torna um periódico importante e traz discussões sobre a sociologia, etnografia e folclore. O estado utilizava a revista como elemento de instrução e de discussão sobre como efetuar políticas públicas, sendo voltada para figuras atuantes do governo, para o público acadêmico e para os professores", explica Marcos.
Suas publicações traziam diversos estudos, como a quantidade de crianças estrangeiras, doenças que acometiam o público infantil e sobre o plano original do parque: "A revista trazia dados de pesquisas que eram feitas pelos professores nos parques infantis sobre quantas crianças filhas de estrangeiros existiam ali. Além disso, reforçava as políticas públicas do estado, elogiando os parques e mostrando como as crianças estavam felizes e seguras, longe das ruas e das doenças".
A tese de doutorado Infância, cultura e nacionalidade no México e no Brasil: um estudo de dois periódicos dos anos 1920 e 1930 foi defendida por Marcos Vinicius Malheiros Moraes em abril de 2024 no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social e orientada pelo professor João Felipe Ferreira Gonçalves.
A reportagem em áudio está disponível no Spotify: