Pesquisa da FFLCH identifica padrões de masculinidades juvenis nas periferias brasileiras
Na periferia brasileira, os jovens de gênero masculino são recorrentemente associados à figura de bandido e ao mundo do crime. Os meninos encaram, na transição para a vida adulta, duas únicas possibilidades ao tornarem-se homens na periferia: serem bandidos ou serem trabalhadores. Esta última opção apresentada pela sociedade, a do trabalho, combinada com a influência de suas mães, alimenta o desejo de não se envolverem com o mundo do crime, desejo este que os leva a construir a masculinidade de homem trabalhador imposta sobre eles.
Essa foi a pesquisa de Betina Warmling Barros, que estudou as masculinidades hegemônicas na periferia brasileira por meio de jovens que estão na transição para a vida adulta nesse contexto. “Eu buscava entender um pouco a trajetória desses meninos, como que tinha sido a infância, como eles viviam a adolescência, como eles estavam vivendo a vida, a juventude, entendendo um pouco a história de cada um para, a partir disso, identificar em quais momentos eles foram se constituindo enquanto homens, de que forma, por quais razões, por quais processos sociais, dinâmicas e relações”.
Bandido x Trabalhador
Na tese, a pesquisadora chama atenção para a política que vem sendo adotada no país há alguns anos, que divide os homens da periferia em bandidos e trabalhadores, os que não merecem respeito e dignidade e os que merecem. Esse padrão de identificação induz os jovens e adolescentes em situação de vulnerabilidade social a assumirem um papel de homem trabalhador desde muito novos, precarizando e limitando os processos transitórios.
“Ao fazer isso, nós estimulamos que os meninos queiram assumir essa posição de trabalhadores para protegerem-se de uma investida policial, para protegerem-se da violência. E, ao fazer isso, eles acabam tendo que pular vários processos da vida. Então, eu chamo um pouco a atenção de como eles, na verdade, têm que pular a adolescência e tornarem-se homens trabalhadores o quanto antes. Porque os processos da adolescência são justamente, tradicionalmente, aqueles de maior risco, de maior envolvimento com a rua, com as festas, com ambientes de lazer, que, no caso das periferias, está muito vinculado à ideia do crime e da violência.”, Betina explica.
Padrões de comportamento
A partir da pesquisa de campo no bairro Bom Jesus, em Porto Alegre, e o acompanhamento por meio de redes sociais ao longo de dois anos, Betina identificou três padrões de comportamento entre os jovens que estavam no processo de transição para a vida adulta: aprendizes, empreendedores e questionadores.
Para a pesquisadora, o primeiro padrão é o mais recorrente entre os jovens. Os aprendizes são identificados na pesquisa como aqueles que aprendem a ordem de gênero imposta pela sociedade e incorporam a masculinidade do homem trabalhador, com trabalhos muitas vezes precários, informais e subempregos, com o objetivo de ter um salário, sem importar com a atividade e prazer daquele serviço. Também são caracterizados pela prática religiosa ou pertencimento racial, que fazem parte da construção do valor individual.
O padrão empreendedor também tem crescido e se tornado importante nas periferias brasileiras. Os empreendedores são identificados como aqueles que conseguem transformar o trabalho em algo além da questão financeira, que acham um sentido no serviço que prestam. Para identificar esse padrão, Betina estudou os meninos vinculados às barbearias da Bom Jesus que, como ela explica, são mais abertos a relações e afetos, mas que também repetem muitos padrões. “Eles também são muito voltados à ideia do casamento, um casamento muito precoce, a ideia do homem como provedor familiar e algumas outras questões”.
Por fim, a pesquisadora também identificou os meninos que conseguem desvincular-se da masculinidade de homem trabalhador encontrada nos padrões anteriores. “Os questionadores são aqueles que conseguem romper com essa ordem de gênero, principalmente porque conseguiram romper com o território da Bom Jesus, então conseguiram circular pela cidade e, por exemplo, fazer uma educação fora, conseguiram fazer um ensino médio que não é no território, e assim conseguiram almejar outros tipos de possibilidades de serem homens”.
Nesse sentido, Betina conclui que esses jovens são estimulados, pelas estruturas que os cercam, a repetirem padrões de precariedade e desigualdade de gênero. “Eles mesmos vão internalizando essas estruturas para se identificarem e se apresentarem quanto homens trabalhadores, mesmo muito jovens. E ao fazerem isso, eles vão constituindo e internalizando alguns padrões de comportamento que, em alguns casos, acabam repetindo uma certa forma de ser homem, um certo tipo de masculinidade, muitas vezes voltado para um casamento heterossexual, uma sexualidade muito voltada para a heterossexualidade, com poucas possibilidades de descobertas de outros padrões, além disso, muito voltada para a ideia da família, para a ideia do trabalho como única saída, muitas vezes sem grandes pretenções de crescimento”.
Os resultados apresentados na pesquisa ajudam a entender os problemas no processo de socialização dos jovens da periferia e quais ações poderiam ser diferentes para mudar a realidade deles. “Eu acho que, em termos de políticas públicas, por exemplo, (a tese) dá várias pistas de como nós poderíamos atuar nisso, onde poderíamos investir. E eu acho que, de modo geral, só de trazer essas histórias à tona e tirá-las da invisibilidade, já é um ganho também importante”.
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A tese de doutorado Masculinidades à margem: tornar-se homem na periferia brasileira de Betina Warmling Barros e orientada por Maria Helena Oliva Augusto foi defendida em setembro de 2024 no Programa de Pós-Graduação em Sociologia.
A reportagem em áudio está disponível no Spotify: