Desmatamento é quatro vezes menor onde há povos indígenas e comunidades tradicionais

Para além do levantamento de dados sobre redução de áreas verdes, estudo ampliou conhecimento sobre etnias e línguas originárias do Brasil

Por
Pedro Seno
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Imagem de uma floresta - Fonte: Freepik

Na região entre os estados de Minas Gerais, Bahia e Espírito Santo, ocorre o encontro de três biomas: o Cerrado, a Mata Atlântica e a Caatinga. Essa é uma das regiões de maior biodiversidade do mundo e também uma das regiões com maior diversidade de línguas e culturas no país. Nos locais onde ainda existem florestas nativas, estão situados também indígenas, quilombolas e outras culturas tradicionais, cuja combinação é chamada “Refúgio Biocultural”, região em que o desmatamento é quatro vezes menor do que em outras áreas.

Segundo o pesquisador Rodrigo Martins dos Santos, do Programa de Pós-Graduação em Geografia Física da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, a ideia de sua tese de doutorado era mostrar que tanto a vida natural quanto a cultura possuem uma relação direta. Essa visão faz parte do ponto de vista da Antropogeografia, uma área que estuda a distribuição da espécie humana no ambiente. Para ela, não existe dissociação entre os seres humanos e a biodiversidade.

O conceito da sociobiodiversidade apareceu para Rodrigo quando esteve a trabalho na Organização das Nações Unidas (ONU) e conheceu um livro sobre diversidade biocultural, que trata do contato entre biodiversidade e diversidade de culturas .

O pesquisador iniciou um levantamento de territórios etnolinguísticos do país. Como base, tomou os mapas criados na década de 1940 pelo etnólogo alemão Curt Nimendajú, que havia registrado 106 etnias na época. Em sua tese, finalizada em 2024, foram documentadas 186 etnias. De acordo com Rodrigo, o aumento se deve ao avanço das tecnologias e instituições de pesquisa de dados na atualidade. “Nós conseguimos preencher algumas lacunas deixadas pelo mapa de Nimendajú. Durante a minha banca, disse aos professores que ele estaria feliz com isso”, comenta o pesquisador.

O trabalho produziu 82 mapas, 10 quadros e 9 tabelas que analisaram etnias, línguas, ocupações europeias, retração dos domínios de natureza ao longo dos séculos e a existência dos refúgios bioculturais. “O refúgio biocultural é o local onde as culturas se refugiaram [após o avanço da desnaturação]. São locais que abrigaram os indígenas e outros povos tradicionais, onde eles encontraram espaço para resistir”, completa Rodrigo.

Das 186 etnias descobertas que existiam antes da chegada dos europeus, foram documentados 34 refúgios de povos indígenas atuais e 14 de outras comunidades tradicionais. Segundo Rodrigo, a redução histórica coincide com a perda da biodiversidade e, onde estão os refúgios, a taxa de desmatamento é quatro vezes inferior à média regional. Para o pesquisador, isso reforça a tese de que os povos e comunidades tradicionais contribuem com a preservação da biodiversidade no país.

Mapa da desnaturação ao longo dos séculos

A pesquisa também contribuiu para a área de linguística. Durante a busca, descobriu-se que determinadas línguas eram exclusivas de um único ambiente. As línguas da família Puri, que não possuem povos remanescentes hoje em dia, e as línguas Borum, dos atuais Krenak, são faladas apenas no domínio da Mata Atlântica. Já as línguas da família Kariri são particulares do ambiente da Caatinga. A família Jê está mais situada no meio Cerrado. Porém, quando observaram as línguas da família Maxakali, dos Pataxós, estas são faladas tanto na Mata Atlântica quanto no Cerrado. O mesmo ocorre com a família de línguas Kamakãs, presentes na Caatinga e Mata Atlântica. O destaque foi para a família Tupi Guarani, a mais versátil de todas, falada em todos os ambientes, levantando a hipótese de, por esse motivo, ter sido o idioma selecionado pelos europeus, séculos atrás, para se tornar língua franca do país, além de ter sido base para o desenvolvimento do Nheengatu.

Territórios etnolinguísticos no século 16\. Reprodução: Tese/ Rodrigo Martins dos Santos

Na avaliação de Rodrigo, a tese ajuda a compreender mais o próprio país e avança nos estudos etnográficos e etnolinguísticos. “O Brasil tem que se reconhecer mais, em suas origens, diversidades e se estudar mais. Isto está previsto em lei. Merecemos nos entender mais como um país multiétnico”, concluiu o autor.

A tese de doutorado Refúgios Bioculturais no Centro-Leste do Brasil: Paisagens e Territorialidades da Sociobiodiversidade de Rodrigo Martins dos Santos e orientada por Sueli Angelo Furlan foi defendida em 2 de setembro de 2024, no âmbito do programa de pós-graduação em Geografia Física da FFLCH.

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