Estudo analisou ocupação de saguis para identificar territórios mais ameaçados pelo desmatamento, como Serra do Mar, Diamantina e Brejos Nordestinos
A pesquisa Modelagem de Nichos Ecológicos aplicada à Conservação do gênero Callithrix na Mata Atlântica revelou que 50,20% da área de Mata Atlântica no Brasil tem necessidade crítica de reforço na conservação. A conclusão partiu de uma análise que combinou imagens de satélite com uma técnica de delimitação de territórios ocupados por espécies, conhecida como modelagem de nichos ecológicos. Edson Alves Filho, autor da tese de doutorado, explica que o tema teve origem no mestrado, no qual avaliou os impactos ambientais no processo de eletrificação do estado de São Paulo.
Orientado pela professora Sueli Furlan, do Departamento de Geografia da FFLCH, e coorientado pelo professor Ricardo Sartorello, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Edson utilizou 934 imagens de satélite para verificar a cobertura vegetal do bioma brasileiro e comparar com a ocupação das espécies do gênero Callithrix, popularmente conhecidos como saguis. “Eu pensei em usar essa técnica para ver as principais transformações nos últimos 20 anos na Mata Atlântica. Então, usaria a modelagem de nicho ecológico para saber onde as espécies se concentram e ver onde estava a pressão sobre os habitats e os nichos delas”, comenta.
Com base nisso, ele determinou o grau de prioridade para a reconstituição da flora e conservação da fauna de cada região. Áreas fora do território do nicho ecológico dos saguis, onde não havia cobertura vegetal, foram classificadas com baixa prioridade para conservação. Lugares fora da área de unidades de conservação mas com presença dos micos e certa cobertura vegetal foram classificadas como de média prioridade. E as regiões sem nenhuma proteção ambiental localizadas no nicho dos saguis receberam o alerta de alta prioridade. Ao final, ele verificou que alguns pontos de menor cobertura vegetal coincidem com os de maior ocupação dos micos, revelando uma ameaça para a integridade das espécies.
É o caso das espécies Callithrix aurita, Callithrix flaviceps e Callithrix kuhlii, cuja ocupação territorial nas sub-regiões dos Brejos Nordestinos, Diamantina e Serra do Mar coincide com áreas de alta prioridade de conservação devido à maior utilização da terra para pastagens e cultivos nos últimos anos. De acordo com a pesquisa, isso “requererá reforço na implantação de corredores ecológicos e unidades de conservação de proteção integral”.
Os resultados gerais do estudo demonstraram que as áreas de alta prioridade de conservação totalizam 758.906,38 km2, o que representa 50,20% da Mata Atlântica. Já as áreas de média e baixa prioridade totalizam 2,06% e 47,74% da área de estudo, respectivamente. A situação varia quando as sub-regiões são analisadas individualmente. Piauí, por exemplo, está com todo o seu território classificado como baixa prioridade, enquanto a sub-região Bahia apresenta quase 73% de seu território em alta prioridade de conservação.
Por outro lado, a pesquisa também revelou que as áreas de alta densidade e baixa variabilidade de vegetação e uso da terra ficaram circunscritas ao sul do país, nas sub-regiões Serra do Mar e Araucária. Esta última, por exemplo, possui 91,46% do seu território com baixa prioridade de conservação. “Sabemos que essas regiões estão povoadas de unidades de conservação. A Fundação SOS Mata Atlântica fez um trabalho bastante contínuo, por exemplo. Tudo isso são fomentos de atividades públicas e privadas que deram como resultado esse incremento”, completa.
Conforme explica Edson, a modelagem de nicho é uma técnica utilizada para antever os locais que uma espécie ocorre, com base no comportamento e características dela. “As espécies têm predileção por altitude, temperatura e um tipo específico de vegetação. Jogamos essas informações no software de modelagem que consegue desenhar a provável ocorrência de uma espécie”, completa. De modo geral, o estudo apontou que “a área do Nicho Ecológico Potencial ocupada pelas espécies do Gênero Callithrix, descontadas as sobreposições, é de 1.811.534,44 km2 , dos quais 905.564,59 km2 (49,98%) estão na área de estudo”.
Ele justifica que escolheu o sagui por ser uma espécie que se distribui amplamente pela Mata Atlântica e que, por isso, é um bom indicador biológico para testar a integridade de toda a fauna da região. “Se o nicho está saudável é porque a espécie está ocorrendo bem, não está se reduzindo ao longo da área. Chamamos de uma espécie ‘guarda-chuva’ porque todas as outras espécies que estão debaixo desse guarda-chuva, como onças e pequenos mamíferos, indicam a saúde da Mata Atlântica”.
Para Edson, a pesquisa representa um esforço adicional à Geografia de Conservação, campo de estudos proposto pelo pensador francês Estienne Rodary. Foi também o primeiro estudo que utilizou as técnicas de análise espaço-temporal da cobertura vegetal e uso da terra em conjunto com a modelagem de nichos.