Pesquisa da USP avaliou luta por moradias urbanas e os efeitos do movimento na vida de mulheres
Movimentos sociais podem promover a emancipação política, civil e social de integrantes femininas. Uma pesquisa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP avaliou que mulheres do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) têm a possibilidade de conquistar autoestima, autonomia e reconhecimento de gênero, classe e raça por meio da organização social.
A dissertação de mestrado Vozes de resistência e história oral: trajetórias de lideranças femininas no MTST em São Paulo, da pesquisadora Bruna Honda, demonstra que 70% do MTST é composto por mulheres. Esse fato decorre do aspecto íntimo de casa para mulheres, pois são seus espaços de segurança, criação de filhos, cuidado com idosos e, muitas vezes, seus ambientes de trabalho.
O caráter emancipatório que o movimento permite se dá por meio da convivência de mulheres com outros membros que possuem histórias de vida semelhantes e do cotidiano do movimento, que permite um aprofundamento no reconhecimento de seus direitos garantidos por lei. “Elas chegam no movimento pela casa e permanecem pela identificação”, afirma Bruna.
De acordo com a pesquisadora, o MTST nasceu a partir do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e, principalmente, pelo déficit habitacional nas cidades devido ao intenso êxodo rural durante os anos 1990. Hoje, o movimento conquistou mais de 900 apartamentos no estado de São Paulo e atua ativamente, para além das moradias, com segurança alimentar ao oferecer alimentos gratuitos para a população.
Bruna escolheu o MTST para trazer ao debate público o protagonismo feminino não apenas como vítimas sociais - forma usual pela qual mulheres são retratadas - mas sim protagonistas de resistência. A partir de revisão bibliográfica e entrevistas semiestruturadas com integrantes femininas do movimento, a pesquisadora pôde aprofundar as questões que as mulheres enfrentam e conquistam dentro da organização.
Antes x Depois do MTST
Foram quatro as entrevistadas: Andreia, Cláudia, Débora e Joana. Elas apresentavam pontos em comum antes de adentrar no MTST, como famílias em vulnerabilidade socioeconômica, maternidade solo e sofrimento de algum tipo de violência durante a vida. Após a permanência no movimento, três delas foram incentivadas a dar continuidade aos estudos (ensino médio e superior) e aprenderam sobre seus direitos civis e políticos durante as rodas de conversas. “O movimento leva à reflexão crítica sobre a vida”, destaca Bruna.
Ainda que o MTST tenha trazido os benefícios apresentados, as entrevistadas pontuaram que o machismo ainda é uma questão latente no movimento, com poucas mulheres em cargos de liderança se comparadas aos homens. Além disso, elas relatam que há uma sobrecarga emocional em decorrência da luta por moradia, como mudanças para lugares ocupados e pausa na carreira para dedicação à causa.
A pesquisadora acredita que seu mestrado tem relevância na criação de memória coletiva sobre o MTST. Ela também destaca a importância do retorno da pesquisa para o próprio movimento para que, com os resultados obtidos, a organização consiga fazer um planejamento estratégico e melhorar as questões apresentadas.
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A dissertação de mestrado Vozes de resistência e história oral: trajetórias de lideranças femininas no MTST em São Paulo foi defendida por Bruna Honda Vargas em 2025 no Programa de Pós-Graduação em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades e orientado pela professora Claudia Moraes de Souza.