Pesquisa da FFLCH analisa atuação do Prodetur-NE e sua relação com neoliberalização do turismo
Na década de 1970, a crise do petróleo produziu uma virada histórica na organização socioeconômica mundial. A partir dali, a sociedade buscou alternativas políticas e econômicas, consolidando o neoliberalismo e voltando a economia para o ramo dos serviços.
O turismo, uma atividade essencialmente composta por serviços - transporte, hospedagem e alimentação -, tornou-se um eixo de investimentos estrangeiros que buscavam lucro e valorização de capital. O turismo cultural passou a promover visitações de territórios, das culturas e das comunidades indígenas, mercantilizando a vida das pessoas e se apropriando da natureza.
Esse foi o tema da pesquisa de mestrado de Larissa Prado Rodrigues, pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Larissa estudou o papel do Programa de Ação para o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste (Prodetur-NE), analisando o turismo como peça neoliberal no Brasil. “A ideia foi pensar esse programa a partir dessa chave interpretativa do neoliberalismo. Analisar mais criticamente, a partir da economia política e dessas mudanças no capitalismo mundial, de que forma o neoliberalismo se instala no Brasil e a relação com os fundamentos do Prodetur”, explica.
O Prodetur-NE é um programa criado nos anos 1990, com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Banco do Nordeste, e foi o maior programa de desenvolvimento de turismo que já existiu no Brasil até hoje. Esse projeto tinha por objetivo desenvolver o movimento turístico na região Nordeste, prevendo a reestruturação de órgãos governamentais de planejamento e gestão de turismo e a implantação de infraestrutura básica de apoio ao turismo (aeroportos, rodovias etc). Além disso, visava atrair investimento privado, capital estrangeiro e aumentar o fluxo turístico, com o pretexto de que essa atividade serviria como meio de desenvolvimento econômico e social para o Nordeste.
De acordo com os relatórios do BID, o Prodetur cumpriu a meta de atrair investimentos, gerar renda e emprego e aumentar o fluxo turístico na região Nordeste. Foram mais de 6 bilhões de dólares atraídos em investimentos privados para a região. “É fato que, em termos domésticos, o Nordeste se consolidou como um polo de turismo no Brasil, ou seja, o Prodetur conseguiu em alguma medida mudar o imaginário que os brasileiros tinham do Nordeste. A região se tornou o lugar de férias do brasileiro, nesse sentido o Prodetur atingiu o seu objetivo de tornar os estados nordestinos em destinos turísticos”.
Neoliberalização do turismo brasileiro
O BID, além de financiador, foi mentor no planejamento do Prodetur, ditando como o programa deveria atuar e as condições para suas ações. Em uma de suas conclusões, a pesquisadora identifica que, em outros países da América Latina, há programas de desenvolvimento do turismo com definições semelhantes às do programa inserido no Nordeste. “O Prodetur não é um programa exclusivo e pensado para a realidade brasileira, ele foi um programa idealizado pelo BID como um modelo de desenvolvimento do turismo para a América Latina”, destaca Larissa.
No momento em que o BID idealiza o Prodetur, ele carrega uma tônica de competitividade, de atração de investimentos e de atividades econômicas pautadas pelos valores do mercado. “Eu identifico que o Prodetur é um ente da neoliberalização do turismo no Brasil ao reproduzir essas tônicas de desenvolvimento do turismo, ou seja, o Prodetur é um mediador ali entre as lógicas do neoliberalismo global e os processos de neoliberalizações locais”, explica.
Neoliberalização e desigualdades sociais
O Prodetur tinha o objetivo de internacionalizar os territórios nordestinos e inseri-los como destinos turísticos nas rotas da economia internacional, idealizando o lucro e a atração de capital estrangeiro. Além disso, se justificava com a promoção de emprego e renda para a população que, historicamente, é atrasada em relação às outras regiões do país.
A sua primeira edição, o Prodetur-NE I, recebeu cerca de 700 milhões de reais em investimento. Na pesquisa, Larissa questiona a quem serve de fato esse montante de investimentos, já que, por meio de pesquisas documentais, ela identificou que o maior privilegiado pelo programa foi o capital privado, que se deparou com caminhos abertos à sua expansão.
Na geração de emprego no Nordeste pelo turismo, o setor informal é maior que o formal. O setor de alojamento, por exemplo, é o que mais contribui para o PIB da região e o que mais emprega, mas, ao mesmo tempo, é o que menos remunera entre todos os outros setores da atividade turística. Esse dado se relaciona com as tendências do neoliberalismo de precarização do trabalho e do crescimento da informalidade sob a máscara do empreendedorismo. “Nós chegamos à conclusão de que esse turismo, embora prometa desenvolvimento social, emprego e renda para as pessoas, tem uma face de um emprego mal remunerado”.
A pesquisadora finaliza: “O turismo pautado pela lógica do lucro não pode senão reproduzir as perversidades do capitalismo mundial no sentido de gerar empregos mal remunerados e precarizados, então o desenvolvimento social de fato fica nas promessas”.
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A dissertação de mestrado Entre o neoliberalismo global e as neoliberalizações locais: o Programa de Ação para o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste, Prodetur-NE de Larissa Prado Rodrigues e orientada por Rita de Cassia Ariza da Cruz foi defendida em fevereiro de 2025 no Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana.