“A minha primeira memória é uma árvore; a segunda, uma onda. Sem sombra, voo por entre as raízes que sustentam o fundo do mar. Não existo antes daquele momento, nem êxito para além dele. São imagens que irrompem os meus sonhos e atemorizam o meu sono.
De quando em quando, o aroma intenso a leite azedo aflora. Junta-se a ele o gosto a suor salgado que sobrevive na minha língua. Parte de mim conforta-se nestas sensações. A outra parte inquieta-se com o vazio de ser só isto tudo o que tenho de recordação da minha mãe. A verdade mais íntima é não a poder reclamar como sendo minha. Sei-o. Rosa Chitula, minha mãe, mais do que a mim, amou Angola e por ela combateu. Chamo-me Vitória Queiroz da Fonseca. Sou mulher. Sou negra.”
Assim tem início o romance ESSA DAMA BATE BUÉ!, de Yara Monteiro, que acompanha a jornada de Vitória na busca pela mãe em uma tentativa de reconectar laços tragicamente interrompidos. Por um lado, o resgate da figura materna constitui-se em uma jornada de conhecimento e apropriação da sua própria história, implicando na recuperação das memórias e experiências não vividas num jogo de iniciação e transformação. Por outro lado, a narradora-personagem vai elaborando um país, descortinando-o e revelando suas mazelas e cenários que ainda reverberam ecos coloniais e, na trajetória, vai problematizando o novo perfil da memória da nação.
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