Entrevista com Osvaldo Coggiola

Serviço de Comunicação Social: Quem foi Leon Trotsky, e qual foi a sua influência na União Soviética?

Osvaldo Coggiola: Basta dizer que ele foi, junto com Lênin, o principal dirigente do partido bolchevique e da Revolução de Outubro de 1917, e o responsável pela sua sobrevivência, como fundador e comandante principal do Exército Vermelho. Na história da Revolução de Outubro, Trotsky adquiriu um papel singular a partir da revolução de 1905, quando presidiu o Soviete de Petrogrado. Deportado à Sibéria pelo czarismo, fugiu para a Europa ocidental, onde escreveu um balanço dos acontecimentos (1905) a partir da sua privilegiada posição de ator. Mas não se limitou a isso: através do balanço, apresentou uma teoria da revolução russa e da revolução internacional, a “revolução permanente”, que resistiu à prova dos fatos. Em agosto de 1917, Lênin e Trotsky foram os membros mais votados do novo Comitê Central bolchevique, iniciando um trabalho conjunto que identificaria mundialmente seus nomes com a revolução russa. Trotsky reconheceu explicitamente o seu erro anterior na questão do partido, que o tinha oposto nos anos precedentes a Lênin e os bolcheviques. Como resultado de sua vitória militar contra a intervenção externa e a contrarrevolução interna, a União Soviética, pacto federativo estatal entre a Rússia revolucionária e seis repúblicas soviéticas às quais a revolução de 1917 concedera independência, foi fundada em 1922. Mas, já em fins de 1923, com Lênin afastado da atividade política antes de sua morte, Trotsky iniciou uma luta contra a fração dirigente do novo Estado e do partido bolchevique (o Partido Comunista da União Soviética, o PCUS), liderada por Stalin. Essa luta começou no plano interno, mas logo ganhou dimensão internacional.

O que se conheceu posteriormente por “trotskismo” teve a sua origem na Oposição de Esquerda do PCUS, criada em 1923, contra a política seguida pelo secretário-geral do PCUS, Stalin. A oposição lutou tanto no plano da política interna (pelo direito de tendência e a revitalização dos sovietes, por um plano de industrialização, que fortalecesse a “base social” da ditadura proletária) como no da política internacional (contra a teoria do “socialismo num país só”, por uma orientação revolucionária para a Internacional Comunista, incluindo a frente única operária contra o nazismo). Seu destino é conhecido; a quase totalidade dos seus membros, entre os quais muitos dirigentes revolucionários de 1917, foi massacrada pela repressão stalinista, não sem antes se organizar internacionalmente, rompendo em 1933 (vitória de Hitler) com a Internacional Comunista (IC), e fundando em 1938 a IV Internacional, considerada pelo organizador do Exército Vermelho como a obra mais importante da sua vida.

A IV Internacional adotou como objetivo continuar a luta da III Internacional (Comunista) pela derrubada do capitalismo mundial através da revolução proletária, o que a colocou em oposição irredutível à política de “coexistência (ou emulação) pacífica”. Trotsky rejeitou que a URSS fosse um país “imperialista”, e toda explicação do stalinismo como “desvio” devido ao “culto à personalidade”. Todo fenômeno político tinha uma raiz social: o stalinismo era a burocratização do Estado soviético, devida ao seu isolamento internacional e ao cerco imperialista. Em função disso, colocou a necessidade de uma revolução política na URSS que devolvesse ao proletariado o poder político.

Serviço de Comunicação Social: Quais as possíveis motivações políticas para o seu assassinato em 1940?

Osvaldo Coggiola: A trajetória de Trotsky depois de expulso da URSS (1929), cheia de dificuldades, esteve longe de ser, como afirmaram posteriormente diversos historiadores, uma pregação no deserto, pois se assim fosse, não se poderia entender a razão do empenho de Stalin em suprimi-lo fisicamente (na polícia política da URSS, a GPU, foi constituída uma “Seção Trotsky”, destinada a eliminá-lo). A proclamação da IV Internacional, em 1938, foi a resposta às piores derrotas até então sofridas pelo movimento operário internacional: a ascensão do nazismo, o esmagamento do proletariado alemão e o extermínio da vanguarda revolucionária da Revolução de Outubro pela burocracia stalinista. Foi, ao mesmo tempo, a proclamação da continuidade e da vitalidade da revolução socialista em condições de isolamento e de retrocesso político e ideológico, criadas por esses acontecimentos.

Até 1933, quando Hitler ascende ao poder na Alemanha, essa vanguarda revolucionária, liderada por Leon Trotsky, lutou no interior dos partidos e da Internacional Comunista (como Oposição de Esquerda), com vistas a recuperá-los. O esforço por construir a IV Internacional data do mesmo momento em que a Oposição de Esquerda, que agia no interior da IC para reformá-la, rompeu definitivamente com ela, caracterizando-a irrecuperável para o proletariado revolucionário devido ao seu alinhamento definitivo no campo da contrarrevolução. O assassinato de Trotsky, em 1940, não foi apenas a consumação de uma vingança pessoal: visou desferir, e desferiu, um golpe terrível à perspectiva de uma reviravolta política que teria tido influência decisiva no curso da história da URSS e do mundo todo.

Serviço de Comunicação Social: Quais as repercussões e consequências de sua morte?

Osvaldo Coggiola: A principal consequência da morte de Trotsky foi a decapitação da IV Internacional. O assassinato foi a culminação dos Processos de Moscou (1936-1938) nos quais Trotsky fora o principal acusado e condenado à morte in absentia, pois ele fora banido da URSS em 1929. Nos processos, a caricatura monstruosa da Revolução de Outubro representada por Stalin legitimou o extermínio de toda a velha guarda bolchevique, acusada de “cúmplice de Trotsky” (acusado, por sua vez, de agente de Hitler). Em 1938, a metralhadora acabava, no campo de concentração de Vorkuta, na Sibéria, com a vida dos últimos quadros políticos organizados da IV Internacional na URSS. Pouco menos de dois anos antes do assassinato, em 1938, o programa da IV Internacional proclamava: “A situação política mundial caracteriza-se, antes de mais nada, pela crise histórica da direção do proletariado” — dizia o texto fundacional da nova Internacional — “sem revolução social, no próximo período histórico, toda a civilização humana estará ameaçada de ser arrastada para uma catástrofe. Tudo depende do proletariado, antes de tudo, de sua vanguarda revolucionária. A crise histórica da humanidade se reduz à crise da direção revolucionária”. Exatamente um ano depois, a 3 de setembro de 1939, a França e a Inglaterra declaravam guerra à Alemanha, inaugurando oficialmente a Segunda Guerra Mundial, maior catástrofe da história humana até então.

No trabalho de preparação da IV Internacional, estiveram associados dirigentes bolcheviques como Preobrazhenski (primeiro secretário-geral do PCUS), Rakovsky, Muralov, Smilga; os chineses Chen Tu-Xiu e Peng Shu-Tze (primeiro secretário-geral e secretário de organização do Partido Comunista Chinês); os belgas Leon Lesoil e Abraham Leon, o holandês Sneevliet (fundador do Partido Comunista da Indonésia e responsável da IC na China), o francês Alfred Rosmer (fundador do Partido Comunista Francês e da Internacional Comunista), os italianos Pietro Tresso e Alfonso Leonetti (dirigentes do Partido Comunista Italiano), o vietnamita Ta Thu-Thaü, dirigente da luta contra o colonialismo francês, o catalão Andreu Nin (dirigente da IC), Pantelis Poliopoulos (ex secretário-geral do Partido Comunista Grego) e, mais perto de nós, o senador comunista chileno Manuel Hidalgo, o cubano Sandálio Junco (sindicalista primeiro grande dirigente operário negro de projeção internacional), o dirigente gráfico brasileiro João da Costa Pimenta (fundador do Partido Comunista do Brasil), assim como o dirigente juvenil comunista brasileiro Mário Pedrosa, reconhecido como um dos principais intelectuais de nosso país no século XX, o argentino Mateo Fossa (fundador da Confederação Geral do Trabalho desse país), e outros. A flor e a nata do movimento operário e revolucionário internacional, perseguida pelo fascismo e pelo stalinismo (metade dos nomeados morreu assassinada), mas que conseguiu deixar uma organização e um programa para a geração futura.

O programa baseava-se na defesa da revolução proletária (abandonada pelas II e III Internacionais), retomava as linhas básicas dos quatro primeiros congressos da III Internacional (1918-1922) e analisava a nova situação criada pelo retrocesso da revolução soviética (surgimento da burocracia stalinista) propondo uma revolução política na URSS, que devia completá-la, assim como as revoluções de 1830 e 1848 tinham completado a revolução social de 1789 na França. Ao contrário dessa revolução burguesa (nacional), a revolução política na URSS, porém, era um aspecto da revolução proletária internacional. Trotsky pensava que a revolução mundial daria uma nova vitalidade ao proletariado soviético, capaz de levá-lo a se livrar das algemas do stalinismo.

Sem Trotsky e seus principais dirigentes, assassinados, a IV Internacional entrou numa crise, retrocesso e dispersão, das quais não saiu até o presente. Foi sua ausência política que explica o desfecho da crise mortal do stalinismo, com a dissolução da URSS em 1991 e o início da restauração do capitalismo na China. Em função disso, a crise mundial atual, crise sem precedentes do capital em sua fase de composição imperialista, deságua em conflitos cada vez mais agudos e mortíferos, como a atual crise econômica, com sua sequela de miséria e desemprego crescentes, a crise ecológica, com uma destruição sem precedentes do meio natural, e uma série de guerras mortíferas e destrutivas, que aguçam o conflito de base nacionalista dos explorados entre si, como a atual guerra na Ucrânia, diretamente impulsionada pela OTAN, principal organização militar do imperialismo capitalista. A única saída progressista para a crise hodierna, que é uma crise histórica e marcada por esses conflitos e processos de alcance mundial, só poderia estar baseada na solidariedade internacional dos trabalhadores, o internacionalismo proletário, reconstituído, com vistas a uma atuação política comum em escala mundial, cuja realização combateu Leon Trotsky ao longo de toda sua vida, uma luta que ficou inacabada e uma tarefa pendente para as atuais gerações.