Nascimento de Castro Alves

“Castro Alves deu um rumo diferente ao modo com que se fazia poesia no Brasil”, diz a professora Cilaine Alves Cunha da FFLCH sobre o poeta que dialogou com o seu tempo

Por
Lara Tannus
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Castro Alves
Para Cilaine Cunha Alves, "Castros Alves modifica a forma dominante com que se representava o tempo histórico, deslocando-o do passado nostálgico para o futuro ideal de uma suposta humanidade plenamente evoluída". (Arte: Davi Morais)

O romantismo brasileiro ganhou, em 14 de março de 1847, uma nova cara com o nascimento de Castro Alves, o “poeta dos escravos”.

 

Atentando-se às questões políticas e sociais da época, o poeta deixa de olhar para o “passado nostálgico” e passa a representar o “futuro ideal”, comenta Cilaine Cunha Alves, docente do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas.

Castro Alves inovou o romantismo por sua natureza política e por viver em momento de inquietação política e intelectual contra a escravidão, pelos ideais modernizadores e republicanos.

A professora explica que boa parte de suas poesias eram declamadas em público em defesa das causas dos negros e pelo progresso da sociedade.

Confira abaixo a entrevista com a professora:

Serviço de Comunicação Social: Quais as obras do autor que você considera mais importantes para destacarmos no texto?

Cilaine Cunha Alves: Os livros de Castro Alves apresentam diferentes graus de importância e interesse. Dispersos ao longo de sua obra, os poemas de caráter abolicionista e humanitário predominam em Os escravos.

Única obra que publicou em vida, Espumas flutuantes importa por reunir a precoce maturidade dos exercícios do poeta, por concentrar os diferentes temas de seu sistema poético e o tratamento de assuntos românticos, como o amor, a morte, a melancolia e a natureza.

Esse livro contém as distintas espécies de poesia que ele privilegiou: a amorosa, a histórica, a humanitária, a patriótica, a laudatória e a poesia da natureza.

Poema narrativo, A cachoeira de Paulo Afonso une a qualidade de seu lirismo representativo das iniquidades da escravidão a uma inesperada capacidade (presente também em outros momentos) de delinear panoramas da natureza. Nesses quadros, o poeta gradua os tons cromáticos da paisagem natural, conferindo-lhes movimentos dinâmicos e uma realidade plástica, visual, sonora e olfativa. A classificação de Castro Alves como pintor do crepúsculo, das tardes e de outras horas do dia justifica-se por poemas desse livro, como “Crepúsculo sertanejo” e “A tarde”.

A peça Gonzaga ou a revolução de Minas, característico exemplar do drama romântico no Brasil – misto de tragédia, melodrama e drama histórico –, foi encenada, com a presença do autor, em Recife e em São Paulo, sempre aclamada.  
 
Serviço de Comunicação Social: Qual a importância do autor para a literatura brasileira? Teve alguma grande contribuição teórica ou obra que mudou a forma de se pensar ou fazer literatura?

Cilaine Cunha Alves: Castro Alves filia-se aos princípios estéticos e filosóficos do romantismo, mas deu um rumo diferente ao modo com que se fazia poesia no Brasil. Até então, prevalece um tipo de lirismo que exorbitou o culto do sentimento, nem tão agudo em Gonçalves Dias e Álvares de Azevedo.

Após a morte deles, predomina o “ultrarromantismo”, cujas práticas poéticas privilegiam versos melódicos que derramam emotividade, em imagens rotineiras esgarçadas, às vezes motivo de deboche e de paródias. É possível encontrar nesse momento poesias bem expressivas, mas que tratam de assuntos pobres.

Castro Alves altera esse estado de coisas, não apenas devido à natureza declaradamente política de sua obra. Tendo surgido em meados de 1860, sua carreira artística é contemporânea da Guerra do Paraguai, da crise do Brasil agrário e do aumento da população urbana. Ganha vulto, nesse momento, movimentos políticos e intelectuais contra a escravidão, em demanda do regime republicano e da modernização econômica do país. Como se observa também em Fagundes Varela e outros, na década de 1860 a literatura abre-se para incorporar temas do momento político.

Castros Alves modifica a forma dominante com que se representava o tempo histórico, deslocando-o do passado nostálgico para o futuro ideal de uma suposta humanidade plenamente evoluída. Sua produção lírica ganha acento épico e objetivo, modera a estilização do subjetivismo e se desliga dos temas abstratos, das imagens vaporosas e inefáveis de seus contemporâneos.

Em sua obra, a valorização do amor erótico pode ser compreendida como distanciamento da prática discursiva, então costumeira, de conferir ao sentimento amoroso um fim nele mesmo, num cultivo do amor pelo amor, não pelo outro.

Embora diversa e desigual, boa parte das poesias de Castro Alves caracteriza-se por um discurso oratório enfático e um ritmo estrondoso, destinado a ser declamado em público, à defesa da causa dos negros e à propaganda liberal em favor do progresso cultural e material da humanidade.

Ele acentua o trabalho de elaboração poética sobre a palavra, cristalizando uma fidelidade maior à realidade dos seres e das coisas. Seu lirismo plástico apresenta soluções rítmicas e sonoras admiráveis, conjugadas a imagens poéticas ousadas. Perpassada por contradições internas, sua poesia às vezes incorre em verborragia e prolixidade, mas também realiza uma surpreendente condensação dos pensamentos. Formula soluções comunicativas claras e concisas, visando diminuir a distância entre significante e significado. Ao emancipar a linguagem poética do ranço rotineiro de tópicos convencionais, Castro Alves revivifica a poesia romântica.