Fotografias científicas são derivadas de escolhas políticas, sociais e econômicas

Estudo mostra que, mesmo sem parecer, imagens técnicas também revelam características do contexto e do país onde foram produzidas

Por
Thais Morimoto
Data de Publicação

 

Com tantos protocolos rígidos que precisam ser seguidos, imagens utilizadas no meio científico parecem neutras e objetivas. Mas, a própria existência destes protocolos já revela como, desde antes de serem tiradas, as fotografias carregam escolhas sociais e políticas. Essa foi uma das conclusões de uma pesquisa de doutorado da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. 

Rafael Luis dos Santos Dall'Olio, autor da tese Carte du Ciel e o uso da fotografia científica no século XIX, analisou o uso da fotografia no projeto astronômico Carta do Céu. Liderado pelo governo francês, o projeto durou entre 1887 e 1964, com o objetivo de reunir 18 observatórios dos hemisférios Norte e Sul para fazer o mapeamento fotográfico completo do céu em uma amplitude nunca vista antes. O objetivo era facilitar a navegação pelo oceano e delimitar rigorosamente as fronteiras políticas, a partir da determinação mais precisa das dimensões e tamanho da Terra. 

Com o estudo, Rafael percebeu que não houve abertura para crítica das imagens obtidas e aprovadas para uso científico. Mas, segundo o pesquisador, o questionamento sobre elas é necessário. Na França, a ciência fez parte de um projeto político para colocar Paris como centro da astronomia no período. Todas as reuniões sobre o projeto Carta do Céu, por exemplo, foram executadas na França, reunindo nomes importantes da astronomia de várias regiões do mundo. O projeto político do país também foi refletido nas fotografias.

“As fotografias são construções, que mesmo embasadas em protocolos científicos, são definidas por um contexto, um determinado grupo, que tenta legitimar uma ideia. Então, a ciência não é direcionada apenas por motivos científicos, mas faz parte de um contexto social, econômico e político que guia os caminhos da própria ciência”.

Da área de história social, Rafael ressalta ainda a necessidade de ter mais pesquisadores que analisem a relação entre a imagem e a ciência e considerem os protocolos como escolhas que, por vezes, excluem visões.

“Quando vemos a fotografia, não estamos só vendo a imagem daquilo que está ali, mas também vemos o que está ausente. Tem diversos parâmetros e critérios que não foram considerados ali que se tratam de escolhas embasadas em alguns pressupostos”. 

O pesquisador também enfatiza a importância de trazer discussões astronômicas para o campo de estudo da história,que consegue trazer visões mais relacionadas ao impacto social, por exemplo. A união de exatas e humanas pode ser um aliado na produção científica, e ainda precisa ser mais explorada.

O Brasil

Reflexo da desigualdade socioeconômica entre os países na época, vários observatórios não conseguiram concluir suas pesquisas. Um deles foi o do Rio de Janeiro. O Brasil participou desde o começo do projeto e custeou os equipamentos, que pelo rigor científico e para padronização dos resultados, precisavam seguir especificidades técnicas e somente podiam ser adquiridos da França ou da Inglaterra, os únicos que produziam o telescópio aprovado.

Os dois países conseguiram validar os métodos científicos especificados que favoreciam os conhecimentos adquiridos por eles em detrimento a outras formas de execução. Eles também reuniram mais observatórios por causa das relações de colonialismo que mantinham com várias nações. A forma de execução da Carta do Céu e a relação estabelecida com os países mostrou para Rafael como fez parte do projeto político da França. 

Mas vários dos países sentiram dificuldades em fazer todas as fotografias. Para a realização da Carta do Céu, por exemplo, o Brasil precisou construir um novo observatório que só ficou pronto depois da Primeira Guerra Mundial, sendo que o país já havia desistido da participação no projeto em meados de 1900. O Brasil teve, então, uma participação limitada, que não foi concluída e usou o observatório para outras funções, sem montar o equipamento que seria usado para o projeto Carta do Céu.