Ineficiência na comunicação em hospitais públicos impacta na saúde dos cidadãos

Referência no mundo, o SUS ainda enfrenta problemas que podem ser resolvidos sem muitos gastos, segundo pesquisa da USP

Por
Thais Morimoto
Data de Publicação

Hospital público com várias pessoas esperando
Pacientes esperando para serem atendidos em hospital público. Imagem: Pedro França/Agência Senado

Filas intermináveis, super lotação e procedimentos marcados e não realizadas são alguns dos problemas que poderiam ser minimizados em hospitais públicos se a comunicação fosse mais efetiva, de acordo com dissertação de mestrado da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Por meio da pesquisa, a jornalista Anne Candal Pinheiro percebeu a ineficiência da comunicação pública governamental em hospitais. Para ela, a comunicação realizada no Sistema Único de Saúde (SUS) representa a omissão do Estado no cumprimento de deveres estabelecidos na Constituição brasileira de 1988, como o direito à saúde e à informação. 

Anne também aponta o enfraquecimento da democracia com a fragilidade dos relacionamentos entre os cidadãos e o SUS. Segundo ela, a comunicação pública governamental que se propõe a fortalecer a democracia deve servir para esclarecer os cidadãos, se relacionar com eles e apoiá-los no pleno exercício da cidadania e no acesso aos seus direitos. 

Foto de perfil de Anne Candal Pinheiro
Anne Candal Pinheiro. Imagem: Arquivo pessoal

Foram estudados dois hospitais paulistas da rede pública, mas as dificuldades na comunicação ocorrem em diferentes unidades de saúde do país. Algumas delas, por exemplo, agendam consultas e cirurgias apenas presencialmente, o que é um entrave para os usuários que não conseguem se locomover com facilidade até o local, além de dificultar o cancelamento de consultas. “A forma como a comunicação ocorre dentro do ambiente de saúde impacta diretamente no resultado do cuidado e da assistência que é oferecida”, conclui Anne. 

A pesquisadora desenvolveu o estudo por meio da análise das atividades realizadas nas unidades de saúde e de entrevistas feitas com os gestores. Eles, apesar de reconhecerem que existem problemas na comunicação no SUS, nem sempre buscam estratégias e ações para mudar a situação. “Em várias ocasiões esses profissionais acham que estão fazendo o máximo que podem”, afirma Anne. “Às vezes, eles estão gastando enorme energia e não estão conseguindo resultado porque não estão fazendo [a comunicação] alicerçada nas bases certas”, complementa.

Direitos não respeitados

Para a população, um dos malefícios da má comunicação em hospitais públicos é a menor percepção sobre os próprios direitos, que muitas vezes parece ser intencional, de acordo com Anne. “A sensação que dá é que às vezes essa falta de comunicação facilita o jogo, porque se as pessoas não sabem, não reclamam”. A pesquisadora também percebeu que o uso dos equipamentos públicos, como o SUS, para fazer comunicação política ainda é uma realidade que impacta negativamente na apropriação e uso adequado desses equipamentos..

A legislação federal que garante o direito de mulheres grávidas serem acompanhadas, conforme Lei Federal nº 11.108, no trabalho de parto, no parto e no pós-partonos hospitais é um dos direitos não respeitados. Existem unidades de saúde que não permitem a presença de outras pessoas, segundo Anne. No estado de São Paulo, também é obrigatório destacar nas maternidades o direito que toda mulher tem de entregar o filho recém-nascido para a doação, o que vários hospitais resistem em realizar, de acordo com a Lei Estadual nº 16.729, o que vários hospitais não respeitam, de acordo com a pesquisadora.

Todo hospital maternidade deve divulgar internamente a mensagem:

“A entrega de filho para adoção, mesmo durante a gravidez, não é crime. Caso você queira fazê-la, ou conheça alguém nesta situação, procure a Vara da Infância e da Juventude. Além de legal, o procedimento é sigiloso”.
 

Pessoas esperam atendimento em hospital
Pessoas esperam atendimento em hospital. Imagem: Pedro França/Agência Senado

Aprimorar a comunicação

Anne ressalta que investimentos em saúde custam caro, mas a comunicação de qualidade é acessível e pode promover um grande impacto na melhoria. O investimento em capacitação e formação de profissionais é um dos exemplos: “É preciso ter profissionais que entendam a função social do SUS e a importância de abrir um espaço de escuta para a população”. Segundo a pesquisadora, é necessário fazer mais do que colocar papéis na parede com avisos como: “a partir de tal dia não atenderemos mais”. Estabelecer outros canais de comunicação facilita o acesso à informação e consequentemente promove o acesso adequado a saúde, um dos maiores desafios do sistema. 

Outra forma de aprimorar e agilizar a comunicação em hospitais públicos é adotar ferramentas mais atuais de comunicação, como redes sociais e aplicativos de mensagens, para oferecer espaços de troca e informações à população. A pesquisadora também espera que o estudo seja percebido pelos gestores e os
responsáveis pela comunicação na área de saúde pública. Eles devem apoiar o trabalho e o desenvolvimento dos profissionais de saúde pública.

Anne também destaca a necessidade de instrumentalizar a população para a compreensão sobre o sistema público de saúde e como ele se diferencia da rede particular: "No SUS, a equidade é um princípio que norteia o acesso, isto é, o direito a saúde é condicionado à necessidade do recurso, por isso precisa existir um fluxo de acesso que garanta o recurso para quem realmente necessita. Sem entender como funciona e os motivos de funcionar desse jeito, a população vai continuar buscando [informação] no lugar errado, esperando na fila errada e muitas vezes agravando sua condição de saúde, por falta de informação adequada ou canais de comunicação adequados para buscar [informação] quando precisa", afirma.

O mestrado A comunicação no ambiente hospitalar público: formas de relacionamento com os públicos, de Anne Elise de Oliveira Candal Pinheiro e orientada pela professora Mariângela Furlan Haswani, foi defendida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades da FFLCH USP, em abril de 2023.