É importante compreender os jesuítas como uma engrenagem que fazia parte de dois sistemas muito maiores e poderosos: a Igreja católica e a colonização europeia
Em uma tentativa de barrar a expansão das ideias protestantes no século 16, a Igreja Católica iniciou um movimento conhecido como Contrarreforma. Uma das primeiras iniciativas foi a fundação da Companhia de Jesus, em 1534. Ela foi uma ordem religiosa católica fundada por Inácio de Loyola.
Seu principal objetivo era catequizar os indígenas nas colônias europeias, segundo Leonardo Gonçalves Silva, doutorando em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
“Por terem um admirável sistema de organização interna, e por obedecer a uma disciplina quase militar, eles foram essenciais na defesa e propagação dos ideais católicos no período da Contrarreforma, além de terem atuado diretamente no projeto colonial das monarquias portuguesa e espanhola”, explica.
Para entender mais sobre o que foi a Companhia de Jesus, confira a entrevista completa:
Serviço de Comunicação Social: Em linhas gerais, o que foi a Companhia de Jesus?
Leonardo Gonçalves Silva: A Companhia de Jesus foi uma ordem religiosa católica fundada em 15 de agosto de 1534 por Inácio de Loyola e seis colegas, então estudantes em Paris. Inácio desejava ter uma experiência religiosa, então ele e seus companheiros fizeram votos religiosos e se colocaram à disposição do papa Paulo III. O mesmo papa aprovou a ordem em 1540, e a partir de então eles tiveram uma expansão bastante rápida: com menos de um século de fundação, os jesuítas – como passaram a ser chamados – já estavam praticamente em todos os territórios então conhecidos. Mesmo que atuassem em atividades religiosas, como quaisquer outros padres, os jesuítas se destacaram especialmente em dois campos: na educação e nas missões estrangeiras. Por terem um admirável sistema de organização interna, e por obedecer a uma disciplina quase militar, eles foram essenciais na defesa e propagação dos ideais católicos no período da Contrarreforma, além de terem atuado diretamente no projeto colonial das monarquias portuguesa e espanhola.
Serviço de Comunicação Social: Na sua opinião, a catequização jesuíta contribuiu com o enfraquecimento das culturas indígenas brasileiras?
Leonardo Gonçalves Silva: Mais do que responder “sim” ou “não” para essa pergunta, é necessário entender o contexto histórico em que a Companhia de Jesus estava inserida. Não se pode ver o trabalho dos jesuítas de forma isolada ou autônoma. É importante compreender os jesuítas como uma engrenagem que fazia parte de dois sistemas muito maiores e poderosos: a Igreja católica e a colonização europeia, mesmo que em determinados momentos a Companhia tenha enfrentado problemas com ambos. Os jesuítas chegaram ao Brasil em 1549, e os dois sistemas tinham interesses em seu trabalho, pois ao mesmo tempo em que os indígenas eram catequizados, recebendo religião e educação cristãs, eles acabavam sendo “domesticados” (do ponto de vista do colonizador) e deixavam aquelas práticas que tanto escandalizavam os europeus e principalmente os padres, como a nudez e os rituais antropofágicos. Por outro lado, os jesuítas se mostraram grandes opositores da escravização indígena, além de terem dado contribuições para o estudo de suas línguas – a primeira gramática do tupi foi de autoria do padre José de Anchieta. Deste modo, é certo que o trabalho missionário dos jesuítas contribuiu para que os povos indígenas tivessem as suas culturas e identidades enfraquecidas e apagadas, mas penso que seja mais adequado afirmar que o sistema colonial como um todo proporcionou esse enfraquecimento, sendo a Companhia apenas uma das diversas peças desse sistema.
Serviço de Comunicação Social: Por que é importante entender o processo de catequização durante o Brasil Colônia? De que forma isso repercute atualmente?
Leonardo Gonçalves Silva: A catequização, como parte do projeto colonial português, marcou o que seria um dos traços mais marcantes da sociedade brasileira por vários séculos: a identificação da maior parte da população com o cristianismo católico e a presença da religião no espaço público, o que ocorre até os dias atuais, mesmo que com uma intensidade muito menor do que em décadas anteriores. Como conhecer o passado é uma das chaves para a compreensão do tempo presente, até para que os erros do passado não sejam repetidos, é importante pensar como as religiões ainda são relevantes na formação dos indivíduos e das sociedades, sendo imprescindível o respeito às diversas manifestações religiosas e ao direito de cada pessoa de professar ou não uma crença, o que não ocorreu naqueles primórdios da colonização.
Leonardo Gonçalves Silva é doutorando em História Social pela FFLCH. No mestrado realizou pesquisa sobre os primeiros documentos normativos da escrita epistolar da Companhia de Jesus (século XVI), e o modo como tais normas influenciavam na construção da informação nas cartas dos religiosos.