Dança multiétnica Baile del Muñeco mostra a união de povos indígenas na região da Floresta Amazônica

A dança tem papel importante na formação de alianças e na cura das populações na Amazônia Colombiana

Por
Thais Morimoto
Data de Publicação

A região do baixo Caquetá, onde a dança ocorre, fica nas proximidades de rios como o Japurá, o Apaporis, o Cahuinarí e o Miriti-Paraná. Foto: Neil Palmer/CIAT
A região do baixo Caquetá, onde a dança ocorre, fica nas proximidades de rios como o Japurá, o Apaporis, o Cahuinarí e o Miriti-Paraná. Foto: Neil Palmer/CIAT

“Havia um antigo xamã que pescava no rio. Ele escutou uma música, a canoa virou e o xamã caiu no submundo aquático. Ele entrou em uma maloca onde acontecia o Baile del Muñeco. Os seres aquáticos estavam dançando e usavam máscaras. O xamã conversou com o dono da dança e negociou para trazê-la à superfície, o mundo em que vivemos”. Essa é uma das muitas versões sobre a dança Baile del Muñeco, que foi estudada por Milena Suárez Mojica em sua dissertação de mestrado pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Milena Suárez Mojica
Milena Suárez Mojica. Foto: Arquivo pessoal

A partir de uma pesquisa bibliográfica, Milena reuniu as características do Baile del Muñeco, uma das danças feitas por povos indígenas na Amazônia colombiana.

“É essencial reconhecer a importância que essas práticas têm na vida das pessoas, na riqueza desses conhecimentos, desses processos próprios de se relacionar com o mundo, de quanto eles são valiosos e importantes. Também é essencial reconhecermos a responsabilidade que nós temos em nosso trabalho e nessas atividades que fazemos de tentar abordar de alguma forma esse processo das lutas deles”, explica Milena.

Características da dança Baile del Muñeco 

Pupunhas
A pupunha é um importante elemento da dança Baile del Muñeco. Foto: Katia Yamasaki/Wikimedia Commons

- Quando: A dança é feita apenas na época da colheita da pupunha, entre janeiro e abril;
- Quem: É uma dança multiétnica, que reúne diferentes povos indígenas, como Yucuna, Makuna, Tanimuka, Letuama e Miraña;
- Onde: A dança ocorre dentro de malocas na região do baixo Caquetá, na Amazônia colombiana.
- Como: Existe grande preparação para realizar a dança. Os anfitriões obtêm e preparam todos os alimentos que serão usados na dança. Convidados não devem sentir fome e nem sede. Também não pode faltar o ipadu, pó feito de folhas de coca torradas e misturadas com as cinzas de outras espécies vegetais e que é responsável por fornecer energia para o canto e a dança. Após os preparativos e com o uso de máscaras, os povos indígenas se reúnem perto dos rios para realizar a dança e o canto do Baile del Muñeco.

Mapa mostra a região do baixo Caquetá. Imagem: montagem a partir do Google Maps
Região do baixo e médio Caquetá. O quadrado em vermelho indica a região do baixo Caquetá. Montagem: Google Maps / Renan Braz - Serviço de Comunicação Social da FFLCH

Máscaras

As máscaras estão ligadas ao contexto em que são produzidas e usadas. Na região do baixo Caquetá, o Baile del Muñeco é a única dança que contempla o uso de máscaras, o que faz parte da história que é contada sobre a dança, com os seres subaquáticos e o xamã. Milena também estudou outras danças feitas com máscaras na região da Floresta Amazônica, principalmente ao longo de rios. No Alto Rio Negro, há danças de máscaras associadas aos rituais funerários. Na região do Rio Solimões, também existe uma dança que contempla o uso de máscaras como ocasião da primeira menstruação das meninas.

Relevância da dança 

O ipadu, planta da coca, é oferecido aos convidados.
O ipadu, planta da coca, é oferecido aos convidados. Foto: François Delonnay/ Wikimedia Commons

Milena também destaca como a dança transforma a vida das pessoas e colabora para a interação social. “As danças são acontecimentos importantes em termos das alianças e dos vínculos que as pessoas tecem, colaborando para que ocorram processos de troca entre os parentes, as famílias e os afins. Também abre possibilidade para tecer novas alianças entre aldeias, rios, grupos e povos”, explica a pesquisadora. 

Segundo Milena, quando há pupunha em abundância o dono de uma maloca convida outra maloca para participar da dança. Ipadu, tabaco rapé e cigarros são oferecidos ao dono da maloca convidada. O convite inicia um pacto de reciprocidade: quem é o anfitrião hoje vira convidado em uma próxima ocasião. 

As danças também são espaços onde são realizados diversos tipos de curas, como “afastar as doenças próprias da época, propiciar a abundância das colheitas dos alimentos cultivados e manter a harmonia da comunidade”, de acordo com Milena.

A dissertação de mestrado Kai-ya-ree: uma aproximação às máscaras no contexto das danças indígenas na Amazônia Colombiana, de autoria de Milena Suárez Mojica e orientada pelo professor Pedro de Niemeyer Cesarino foi defendida em junho de 2023 no âmbito do programa de Pós-Graduação em Antropologia Social na FFLCH.