Como surgem grupos extremistas como a Ku Klux Klan?

KKK perpetuou um "reinado de terror que vitimou vários daqueles que defendiam direitos iguais para afro-americanos e brancos"

Por
Thais Morimoto e Renan Braz
Data de Publicação

Como surgem movimentos extremistas como a KKK?
"Desde seu surgimento, a KKK esteve envolta em ameaças, perseguições, diversos tipos de violências e assassinatos, até mesmo de políticos.", afirma Carlos Alexandre da Silva Nascimento [Montagem: Renan Braz]

Frustrados com a derrota e os desdobramentos após a Guerra da Secessão, membros dos Estados Confederados da América - união política de estados sulistas que defendiam a escravidão e era formada por Alabama, Carolina do Sul, Flórida, Geórgia, Luisiana, Mississipi e Texas -  decidiram criar a Klu Klux Klan (KKK), uma organização secreta que visava manter as práticas racistas e os privilégios que a população branca norte-americana tinha antes da guerra civil, assim como combater os grupos sociais que eram considerados seus inimigos: afro-americanos, católicos, judeus e imigrantes.

Para nos explicar sobre o contexto histórico e social que levou ao surgimento deste grupo extremista, conversamos com Carlos Alexandre da Silva Nascimento, doutor em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humana das (FFLCH) da USP.

Serviço de Comunicação Social: Como se deu a origem da Ku Klux Klan? E qual o contexto de seu surgimento?

Carlos Alexandre da Silva Nascimento: Os ressentimentos decorrentes da derrota dos estados sulistas ao fim da Guerra de Secessão (1861-1865) influenciaram os defensores dos, até então, Estados Confederados da América, a elaborarem estratégias e formas de ação para manter o máximo possível a estrutura social, econômica e política do período anterior ao conflito civil. Ainda durante o ano de 1865, procedimentos como os Códigos Negros (Black Codes), que visavam controlar principalmente a mão de obra afro-americana, foram estabelecidos pelos legislativos de estados como Louisiana e Carolina do Sul. Contudo, outras estratégias elaboradas pelos “cidadãos comuns” também se espalharam pelas terras sulistas. Nesse processo, na véspera do Natal daquele ano, seis ex-combatentes confederados se reuniram para criar uma sociedade secreta cujo objetivo anunciado era promover assistência aos brancos necessitados, bem como manter viva as conexões dos tempos de guerra. Surgida em Pulaski, estado do Tennessee, essa organização logo começou a empreender táticas do período de escravidão, como o patrulhamento local e a submissão dos afro-americanos.

Durante a Era da Reconstrução (1865-1877), os integrantes da KKK, denominação conhecida popularmente, utilizaram-se dos mais diversos métodos para enfraquecer as políticas do Partido Republicano, notadamente da sua ala mais radical, na promoção da garantia de direitos para as pessoas recém-saídas da escravidão. A ocupação do território sulista pelas tropas federais, o confisco de propriedades rurais, embora por um breve momento, a ação do Freedmen’s Bureau, órgão responsável por apresentar à sociedade branca sulista a nova realidade das pessoas negras, foram vistos como ameaças para a estrutura social da região. Além dos afro-americanos e dos membros ligados ao Partido Republicano, outros elementos foram considerados responsáveis pela decadência sulista. Entre eles está o discurso de que a Reconstrução estava ocasionando corrupção e empobrecimento dos cidadãos, seja pela ação dos carpetbaggers, nortistas que lucravam com empreendimentos comerciais e com a exploração da população local, quanto pelos scalawags, sulistas que apoiavam as políticas de reconstrução.

A entrada na organização do ex-general confederado Nathan Bedford Forrest, em 1867, deu a ela uma estrutura mais séria, influência perante alguns setores da sociedade sulista, como a imprensa, e uma mudança em suas ações. Se antes a KKK procurava atuar por meio da intimidação e táticas não violentas, tais como a tentativa de persuadir os afro-americanos a votarem no Partido Democrata com a alegação de que grande parte de seus integrantes era constituída pelos antigos senhores de escravos que diziam entender melhor que ninguém suas reais necessidades, a entidade utilizou-se de métodos violentos para prevenir os afro-americanos de exercerem seu direito de voto. Instituições que apoiavam o Partido Republicano e que contavam tanto com brancos como com afro-americanos também foram alvos da violência da KKK. Medidas estabelecidas pelo Congresso Nacional, com destaque para o Enforcement Act, de 20 de abril de 1871, mais conhecido como Ku Klux Klan Act, procuraram evitar que indivíduos, oficiais governamentais e organizações conspiratórias, entendidas como a associação de duas ou mais pessoas usando vias públicas, disfarces ou violando propriedade de outra pessoa para negar a alguém seus direitos civis, contribuíram para minimizar a sua influência durante o período.

Serviço de Comunicação Social: Como o grupo pode ser caracterizado?

Carlos Alexandre da Silva Nascimento: Durante sua existência, a organização passou por significativas mudanças, sendo um consenso a existência de três fases. Nos primeiros anos, seus membros e simpatizantes procuraram impedir o usufruto dos direitos conquistados pelos afro-americanos, a partir do momento em que sua condição social passou de escravo para cidadão norte-americano. Para isso, a KKK utilizou como subterfúgio o discurso da supremacia branca e, como mencionado mais acima, a coerção e a violência. As medidas de combate utilizadas pelo governo federal e o retorno dos governos estaduais para as mãos dos Democratas, no que ficou conhecido com Redenção, acarretaram o virtual desaparecimento da instituição, por volta de 1873.

Seu ressurgimento, em 1915, está relacionado com uma espécie de romantização do período do conflito civil e seu imediato pós-guerra. Obras literárias como a trilogia de Thomas Dixon Jr., com destaque para The Clansman (1905) e sua adaptação para o universo cinematográfico na obra The Birth of a Nation (O Nascimento de uma Nação), de 1915, de D. W. Griffith, contribuíram para reacender as pregações dos supremacistas brancos de que o país estava à mercê de inimigos que ameaçavam sua essência branca, anglo-saxônica e protestante. Além dos afro-americanos, novos inimigos foram acrescentados, tendo nas figuras dos judeus, católicos e imigrantes seus principais integrantes. Durante o período, grandes passeatas com a queima de cruzes, atributo que não fazia parte de seus rituais e incorporado por meio da literatura, e a prática da violência por meio de linchamentos, espancamentos e incêndios criminosos, embora seus integrantes evitassem usar os capuzes em tais eventos, contribuíram para configurar a imagem que se tem da KKK até hoje. Durante os anos de 1920, a organização cresceu em número de simpatizantes ao aderir ao movimento de proibição de fabricação, transporte e venda de bebidas alcoólicas conhecido como Lei Seca (1920-1933). Essa pretensa imagem moralista passou a ser questionada devido a escândalos como a condenação por estupro e assassinato do líder da organização em Indiana, David Stephenson, em 1925. A publicidade em torno do caso e novas ações do governo federal acarretaram a diminuição de seus integrantes e no seu declínio ao final da década de 1930.

Com o avanço do Movimento pelos Direitos Civis das décadas de 1950 e 1960, uma terceira vertente da Ku Klux Klan deixou de lado a sua tradicional denominação de “Império Invisível” e se fez cada vez mais presente. Com a decisão da Suprema Corte em proibir a segregação em instituições governamentais de ensino, no que ficou conhecido como Brown v. Board of Education, de 1954, os membros do grupo passaram a difundir o discurso de que a integração dos negros, em todas as áreas, acarretaria o rebaixamento da condição social do homem branco. Nesse período, a KKK se voltou para os brancos mais pobres, alegando que eles perderiam seus privilégios com a garantia dos direitos dos afro-americanos. Ao discurso contra as medidas de integração, a organização acrescentou o discurso anticomunista, muitas vezes, equiparando-os. Assassinatos, incêndios criminosos e ataques a bomba eram táticas muito utilizadas. Provavelmente o caso mais conhecido seja o ataque a bomba na Igreja Batista da Rua Dezesseis em Birmingham, estado do Alabama, em 15 de setembro de 1963, ocasionando a morte de quatro crianças e ferindo outras vinte pessoas. A aprovação da Lei dos Direitos Civis de 1964 e ações para perseguir e punir membros da instituição que utilizavam meios violentos para dissuadir afro-americanos de exercerem seus direitos de voto, principalmente, enfraqueceram a imagem da KKK, até mesmo, entre a classe trabalhadora branca. Apesar de atuações esporádicas durante as décadas que se seguiram, essa entidade de caráter terrorista perdeu o seu reconhecimento no início da década de 1970, sendo mais relacionada atualmente a uma ideologia extremista.

Serviço de Comunicação Social: Qual foi o impacto do grupo desde o surgimento até atualmente?

Carlos Alexandre da Silva Nascimento: Desde seu surgimento, a KKK esteve envolta em ameaças, perseguições, diversos tipos de violências e assassinatos, até mesmo de políticos. Ainda que em seu Prescript, uma espécie de constituição, deixe evidente o não uso da violência, essa prerrogativa foi rapidamente deixada de lado. O que se sucedeu foi um reinado de terror que vitimou vários daqueles que defendiam direitos iguais para afro-americanos e brancos. Ao longo dos anos, o pretenso discurso patriótico que ganhou força por meio do entretenimento, discursos moralistas e a publicidade dos encontros com características rituais com trajes próprios e a queima de cruzes deram um ar assustadoramente mítico a organização. Junto a outras entidades com ideologia semelhante, como Os Cavaleiros da Camélia Branca, fundada em 1867, o objetivo da KKK sempre foi estabelecer uma sociedade governada pelos brancos e para os brancos. Através de suas ações, contando com simpatizantes dentro do corpo policial e políticos de diversas localidades, para citar apenas alguns exemplos, contribuíram para retardar o amplo exercício dos direitos civis dos afro-americanos, além de ameaçar simpatizantes e minorias.

A Ku Klux Klan não conta atualmente com a mesma força que tinha quando atingiu seu ápice, na década de 1920, com cerca de 4 milhões de participantes. A legalização dos Direitos Civis e a repercussão na mídia de diversos crimes cometidos pelos seus associados enfraqueceram a imagem de que ela pregava os valores do país. Contudo, algumas células ainda podem ser encontradas pelo território estadunidense. Nas décadas mais recentes, a organização se associou com diversos outros grupos de ódio, incluindo neonazistas. Uma de suas mais recentes manifestações de destaque ocorreu em Charlottesville, Virgínia, em 2017. No debate que se formou sobre a remoção de monumentos dedicados às lideranças confederadas, um embate entre supremacistas brancos e ativistas anti-extremistas ocasionou a morte de uma mulher e deixou 19 feridos quando um supremacista branco avançou com seu carro sobre os manifestantes. Ainda que a KKK esteja enfraquecida, a própria essência da questão racial nos Estados Unidos não impede que a organização possa se reorganizar e crescer em número de integrantes. Como pode ser visto, uma das aparentes respostas para solucionar períodos de crises no país parece passar pela ideia de que os valores tradicionais norte-americanos estão sendo ameaçados por grupos alheios a esses valores. Isso aconteceu no passado e pode se repetir futuramente.

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Carlos Alexandre da Silva Nascimento é doutor em Ciências obtido no Programa História Social da Universidade de São Paulo (2023). Mestre em Ciências obtido no Programa História Social da Universidade de São Paulo (2015). Graduado em História pela Universidade Estadual de Montes Claros (2006). Dedica-se, atualmente, ao estudo sobre a evolução dos Direitos Civis Afro-Americanos, tendo como foco as duas primeiras décadas do século 20. É integrante do Grupo de Estudo História dos Estados Unidos: regional, nacional e global (séculos 18 ao 21)