Publicação do Manifesto Comunista

Considerado um dos livros mais importantes de Marx e Engels, o documento propõe uma nova revolução para os trabalhadores operários

Por
Lívia Lemos
Data de Publicação

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Arte: Lívia Lemos

O Manifesto Comunista, publicado em 1848 por Karl Marx e Friedrich Engels, explica a história humana como a história da luta de classes. O texto surge no contexto das revoluções de 1848, quando se evidencia a luta entre burgueses e proletários.

Em entrevista ao Hoje na História, o professor Lincoln Secco, do Departamento de História da FFLCH, ressalta as diferentes leituras que a obra passou ao longo dos anos, além de sua grande força literária: "A leitura do Manifesto Comunista é a mais poderosa de todas as obras de Marx e Engels. Mesmo para quem discorda, reconhece que se trata de um documento histórico incontornável".

Confira a entrevista completa com o professor:

Comunicação Social: O que foi a obra Manifesto Comunista? Quais as principais ideias apresentadas pelos autores Karl Marx e Friedrich Engels?

Lincoln Secco: O Manifesto era um documento encomendado pela Liga dos Comunistas (antes se chamava Liga dos Justos). Engels escreveu um "catecismo comunista", mas percebeu que era uma forma superada para seitas secretas que deviam se tornar organizações públicas. O texto de Engels não foi publicado e, ao lado de outros materiais da liga, serviu de base para que Marx redigisse o Manifesto. É um pequeno texto formidável porque expõe uma ideia central para a explicação de toda a história humana: a história das sociedades não é mais do que a da luta de classes.

Comunicação Social: Em qual contexto social e histórico o Manifesto Comunista foi escrito e qual foi o impacto que ele causou na época de seu lançamento?

Lincoln Secco: O Manifesto foi publicado pouco antes da chamada Primavera dos Povos de 1848, um conjunto de revoluções que abalou os tronos europeus, embora não tenha mudado o sistema econômico. Foram revoluções derrotadas no curto prazo, mas que afirmaram o novo princípio das nacionalidades e anunciaram o que passaria a ser o conflito primordial da época contemporânea, a luta entre burgueses e proletários. Nas jornadas de junho de 1848 essa contradição básica da sociedade veio à tona em Paris.

No entanto, o Manifesto não teve nenhuma influência naqueles eventos. Ao longo das décadas foi traduzido e difundido em muitos países. Em português apareceu em 1873. Os principais estudiosos dessa difusão foram, dentre outros, Bert Andreas, Eric Hobsbawm e Pedro Ribas, na Europa, e Horacio Tarcus e Edgard Carone na América Latina.

Comunicação Social: As ideias do Manifesto Comunista desenvolvidas pelos autores foram ou estão distorcidas atualmente?

Lincoln Secco: O Manifesto é um livro vivo cuja linguagem por vezes assume a função conativa, apelando ao leitor. As imagens que mobiliza eram de uso comum na sua época, como o espectro que ronda a Europa. Há influências de Goethe, Carlyle, Hegel, uso de diálogos imaginários, ironia... O Manifesto tem grande força literária.

Cada época apropria-se de forma diferente da obra. Durante os 30 anos gloriosos do capitalismo do pós segunda guerra, podemos dizer que as reivindicações da segunda parte da obra foram em parte satisfeitas sem nenhuma revolução, tais como estatização de transportes e impostos progressivos. Hoje já estão sendo desfeitas e talvez só sejam possíveis de novo com uma revolução mundial.

Comunicação Social: Como podemos apresentar o Manifesto Comunista e as ideias de Marx para alguém que teve pouco ou nenhum contato com sua obra?

Lincoln Secco: A ideia que sempre me marcou no Manifesto é a de que os comunistas não formam um partido oposto a outros partidos de trabalhadores. Evidente que a ideia de partido não é de hoje. Mas isso já fazia do manifesto um apelo aos trabalhadores comuns, sem parti pris ideológico.

O Manifesto é uma das obras de Marx e Engels que qualquer pessoa com vontade pode entender. Durante a história, até trabalhadores que não sabiam ler ouviram outros que liam em voz alta. Até os que não leram, puderam ouvir algumas ideias básicas em reuniões políticas e foram transformados por elas. Eu mostro exemplos desse tipo de operários brasileiros em minha obra A Batalha dos Livros. Qualquer forma de leitura pode mudar nossas vidas. A leitura do Manifesto Comunista é a mais poderosa de todas as obras de Marx e Engels. Mesmo para quem discorda, mas reconhece que se trata de um documento histórico incontornável. Foi o primeiro livro de Marx que eu li ainda na adolescência. E releio todo início de ano. Foi no princípio de 1848 que esse livro saiu quase incógnito da gráfica para anos depois inspirar revoluções.

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Lincoln Secco é professor livre docente da Universidade de São Paulo. Possui bacharelado e doutorado em História Econômica pela mesma universidade.