Imigração Japonesa no Brasil

Comemorado hoje, 18 de junho, a imigração japonesa no Brasil é um importante marco na história dos dois países

Por
Thais Morimoto
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Um símbolo da imigração japonesa, o navio Kasato-maru trouxe a primeira grande leva de imigrantes japoneses ao Brasil - Arte: Thais Morimoto / Serviço de Comunicação Social FFLCH USP

Com cerca de 2,7 milhões de pessoas, o Brasil é o lar da maior comunidade nipônica fora do Japão. Essa história teve início há mais de um século, marcada pela chegada do navio Kasato-maru em 18 de junho de 1908, quando desembarcou a primeira grande leva de imigrantes japoneses no país. Desde então, apesar de nem sempre bem aceitos, a comunidade se integrou à sociedade brasileira. 

“A literatura historiográfica revela que já no século 19, existiam grupos favoráveis e grupos contrários à imigração japonesa no Brasil”, diz Bruno Naomassa Hayashi, pesquisador que estudou em seu doutorado a imigração japonesa no pós-guerra brasileiro na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Mesmo com alguns grupos contrários, de acordo com o professor Wataru Kikuchi, da área de Língua e Literatura Japonesa da FFLCH, “atualmente, a comunidade japonesa está presente em todas as regiões do Brasil, tendo como base 436 associações, na maioria no Estado de São Paulo (58%), seguido por Paraná (17%), Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Santa Catarina e Pará”.

O professor ainda relembra que várias dessas associações realizam eventos de promoção da cultura japonesa, como o Festival do Japão de São Paulo, que neste ano terá a sua 25ª edição. Além desses festivais, o país conta com o Museu de Imigração Japonesa, que possui um acervo de 97 mil itens pertencentes aos imigrantes japoneses.

Para saber mais sobre a história da imigração japonesa no Brasil, além dos impactos e a aceitação dos brasileiros em relação aos japoneses e seus descendentes, veja as entrevistas completas com o professor Wataru Kikuchi e o pesquisador Bruno Naomassa Hayashi:
 

Serviço de Comunicação Social da FFLCH: Como e por que começou a imigração japonesa no Brasil?

Bruno Naomassa Hayashi: O início da imigração japonesa está relacionado a uma confluência de acontecimentos e interesses. A partir de meados do século 19, com o fim do tráfico escravista, os grandes fazendeiros no Brasil passaram a procurar alternativas de mão de obra, principalmente na Europa, mas também buscando opções na Ásia, como China e Japão. Com a abolição da escravatura e a Proclamação da República, houve inicialmente, como uma das primeiras políticas migratórias do governo republicano,  a proibição da entrada de asiáticos e africanos no Brasil (Decreto-Lei nº 528, de 28 de junho de 1890). No entanto, apenas dois anos depois dessa proibição, uma lei passa a permitir a imigração japonesa e chinesa, além de programar a assinatura de tratados internacionais com o Japão e a China (Lei nº 97, de 05 de outubro de 1892). No caso do Japão, em 1895 seria então celebrado, em Paris, o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação, inaugurando as relações diplomáticas nipo-brasileiras.

A imigração japonesa não aconteceria já na década de 1890, devido a uma crise na cafeicultura, principal destino da mão de obra estrangeira, e devido também a certa resistência de algumas autoridades. Alguns fatores internacionais favorecem, porém, o início dessa imigração na década seguinte: por um lado, em 1902, a Itália proíbe, por meio do Decreto Prinetti, a imigração italiana subvencionada para o Brasil, restringindo o que até então era o maior fluxo migratório da Europa; por outro lado, em 1907, os governos norte-americano e japonês celebram um acordo (Gentlemen’s Agreement), em que o Japão se compromete a não mais autorizar a emigração aos EUA, ao passo que os EUA garantem o respeito aos direitos dos imigrantes já residentes em território estadunidense. Assim, na década de 1900, tanto o Brasil passava a ter menos alternativas de mão de obra, como o Japão perdia um dos seus principais destinos emigratórios. Essa configuração de interesses favorece então o início efetivo da imigração japonesa no Brasil, com a chegada da primeira grande leva migratória em 18 de junho de 1908, no porto de Santos, a bordo do navio Kasato-maru.
 

Serviço de Comunicação Social da FFLCH: Qual é a importância do dia 18 de junho de 1908? Poderia comentar um pouco sobre a história da imigração japonesa no Brasil?

Wataru Kikuchi: A data marca o início oficial da imigração japonesa no Brasil, com a chegada do navio Kasato-maru ao porto de Santos, com 781 japoneses a bordo. Foi um momento histórico na relação entre o Brasil e o Japão, iniciada com o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação celebrado treze anos antes, em 5 de novembro de 1895. O processo foi inicialmente promovido por empresa privada com o apoio do governo japonês, posteriormente assumido como política de emigração pelo império nipônico. Nesse período de aproximadamente um século, cerca de 260 mil japoneses imigraram ao Brasil, sendo 190 mil antes da Segunda Guerra Mundial e 70 mil no pós-guerra.

Atualmente, a comunidade japonesa está presente em todas as regiões do Brasil, tendo como base 436 associações, na maioria no Estado de São Paulo (58%), seguido por Paraná (17%), Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Santa Catarina e Pará.

A maioria dessas associações realiza eventos de promoção da cultura japonesa, sendo o mais conhecido o Festival do Japão de São Paulo, que neste ano terá a sua  25ª edição.
 

Serviço de Comunicação Social da FFLCH: Qual o simbolismo do navio Kasato-maru?

Bruno Naomassa Hayashi: O Kasato-maru é um símbolo histórico do início da imigração japonesa no Brasil. A data comemorativa em 18 de junho tem como referência justamente a data de chegada dessa embarcação no porto de Santos com o grupo pioneiro de imigrantes japoneses. Além disso, como a grande maioria dos imigrantes japoneses chegaram ao Brasil por meio de grandes navios, em uma operação semelhante ao do navio Kasato-maru, podemos dizer também que essa embarcação se tornou um símbolo desses diferentes navios, que, ao longo do século 20, trouxeram milhares de famílias japonesas para o Brasil - com seus problemas e preocupações, mas também com seus sonhos e aspirações.
 

Serviço de Comunicação Social da FFLCH: O que há de positivo e negativo nas relações entre o Brasil e o Japão no começo da imigração?

Wataru Kikuchi: O processo imigratório dos japoneses para o Brasil respondeu a duas demandas da época: a necessidade de suprir a carência de mãos de obra no Brasil, principalmente nos cafezais, na condição de colono, e a urgência de mitigar a crise social instalada no Japão, notadamente na zona rural, com carência, desemprego e falta de perspectivas, sem que as cidades pudessem comportar mais contingentes de êxodo rural.

Por outro lado, os japoneses encontraram condições adversas ao se instalarem no Brasil, muitas vezes exploração e compromissos não assumidos por parte de fazendeiros contratantes, falta de infraestrutura e saneamento básico, a dificuldade de adaptação ao novo ambiente, hábito alimentar e barreira de língua. As doenças tropicais, como a malária, acabaram vitimando milhares de imigrantes.    
 

Serviço de Comunicação Social da FFLCH: Como foi a aceitação dos brasileiros para com os japoneses e seus descendentes ao longo do tempo? Havia preconceitos?

Bruno Naomassa Hayashi: A literatura historiográfica revela que já no século 19, no período precedente ao tratado de amizade de 1895, existiam grupos favoráveis e grupos contrários à imigração japonesa no Brasil. Entre os primeiros, encontravam-se políticos, diplomatas, fazendeiros e empresários do ramo de navegação, que seriam especialmente beneficiados pela força de trabalho japonesa. Esse grupo costumava salientar a disciplina para o trabalho e a postura por vezes descrita como “dócil”, isto é, de não revolta a um cotidiano de trabalho mais brutal e degradante. Os grupos contrários incluíam diplomatas, intelectuais, jornalistas e políticos que defendiam tão somente a imigração europeia, não só por uma proximidade religiosa, cultural e linguística com o Brasil, mas também devido à influência de teorias de superioridade racial que associavam o desenvolvimento do país ao branqueamento da sua população. Notamos o embate dessas duas tendências já nos primeiros anos da República, quando em 1890, temos um decreto-lei do governo provisório proibindo a imigração asiática e africana, e apenas dois anos depois, uma lei votada no Congresso Nacional permitindo cirurgicamente a imigração de japoneses e chineses - grupos migratórios asiáticos que já vinham sendo adotados nos EUA.

Mas essa tensão entre favoráveis e contrários persistiria ainda por muitas décadas. Do lado favorável, aos argumentos de disciplina e “docilidade”, se somariam os argumentos de que a imigração japonesa vinha trazendo bons resultados de produtividade, não somente na lavoura cafeeira, mas também em outras culturas - por vezes com a introdução de novos bens agrícolas. Mas particularmente a partir da década de 1930 as vozes contrárias é que ganham mais força. Políticos da escola eugênica fazem forte campanha na Constituinte de 1934 para proibir a imigração japonesa, conseguindo aprovar um sistema de cotas que reduziu drasticamente a permissão de entrada de japoneses no Brasil. Nesse período, dois argumentos se destacam: o caráter inassimilável dos japoneses, isto é, o argumento de que eles seriam sempre fiéis ao Japão e nunca se tornariam brasileiros de fato; e a tese do perigo amarelo, isto é, a ideia de que por trás da imigração japonesa haveria outros interesses do Império Japonês. O ataque japonês a Pearl Harbor acabaria por fortalecer essa vertente crítica e inauguraria uma das fases mais sombrias e de maior restrição aos japoneses e seus descendentes no Brasil. Mesmo com o fim da guerra em 1945, a proibição da imigração japonesa é novamente cogitada na Assembleia Constituinte de 1946, sendo rejeitada por apenas um voto.

A evolução posterior da relação do Brasil com a imigração japonesa acaba muito influenciada pelas transformações do mundo e do país após a Segunda Guerra Mundial. A posição do Japão como aliado do bloco capitalista e parceiro dos EUA, por exemplo, muda bastante a antiga imagem de “perigo amarelo” associada ao Japão. Há também esforços da comunidade de imigrantes e descendentes, bem como da sociedade brasileira de reconstruir essa relação em bases mais positivas. A literatura tradicionalmente destaca a participação da chamada colônia japonesa na celebração do IV centenário da cidade de São Paulo em 1954 como um marco da nova situação pós-guerra, com uma maior aceitação da presença japonesa no Brasil enquanto uma parte formativa da sociedade brasileira.
 

Serviço de Comunicação Social da FFLCH: Quais os impactos da imigração japonesa no Brasil desde o começo até os dias de hoje?

Wataru Kikuchi: Os principais impactos são: 

a) constituição da maior comunidade de japoneses e seus descendentes fora do Japão, estimada em 2,7 milhões, segundo o governo japonês. Essa é a base da relação estratégica entre os dois países, confirmada recentemente com a visita do primeiro-ministro japonês Fumio Kishida, destacando que o Japão figura entre os dez maiores parceiros comerciais do Brasil, segundo uma fonte, cerca de seiscentas empresas japonesas atuam no mercado brasileiro;  

b) contribuição ao desenvolvimento econômico-social, inicialmente na agricultura, com diversificação das variedades de hortaliças produzidas no Brasil, melhorias na qualidade, como de batata inglesa, promovida pela extinta Cooperativa Agrícola de Cotia, participação esta que culmina no Projeto de Desenvolvimento do Cerrado, focado principalmente na produção de soja, nas décadas de 1970 e 80. Já nos anos 1990, introdução de noções de Controle de Qualidade Total e mais recentemente, a adoção do modelo japonês de Serviço Integrado de Transmissão Digital; 

c) os japoneses contribuem com a riqueza da vida cultural nacional, em diversos setores. Praticamente todas as festividades japonesas são reproduzidas com toque brasileiro, a começar pela comemoração do ano novo, Oshôgatsu, o Festival Tanabata, celebrado em julho, o Bon-odori, que são danças realizadas no finados japonês, entre outros. As manifestações de dança regional, como Yosakoi, e grupos musicais como de taiko, instrumentos de percussão, têm atraído jovens, sem contar os diversos ramos da chamada cultura pop, como anime, mangá e cosplay. No campo esportivo, é notória a contribuição, entre outros, em artes marciais como judô, karatê e aikidô, no tênis de mesa e na difusão do baseball, citando algumas categorias em que verificamos a atuação de descendentes ainda hoje.   

Na culinária japonesa, que se torna popular nacionalmente a partir da década de 1990, apresenta atualmente diversos pratos com contribuição brasileira, como sushi Romeu e Julieta, sukiyaki, que é um tipo de cozido com carne bovina e conta com ingredientes brasileiros originais, e a Temakeria, que é um restaurante especializado em temaki, uma versão de sushi no formato de cone, estabelecimento este que não existe no Japão.

Os descendentes de japoneses, que aguardam a sétima geração, estão presentes em todos os setores essenciais do Brasil, contribuindo para o seu desenvolvimento. 
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Wataru Kikuchi possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais, com ênfase em Sociologia e Ciência Política (1999), mestrado em Letras (Língua, Literatura e Cultura Japonesa) pela Universidade de São Paulo (2003) e doutorado em Sociologia pela mesma instituição (2012). Desde 2005, é docente da área de Língua e Literatura Japonesa e, a partir de 2013, do Programa de Pós-Graduação em Língua, Literatura e Cultura Japonesa do Departamento de Letras Orientais, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH). Atualmente, ocupa o cargo de diretor do Centro de Estudos Japoneses da FFLCH-USP. Realiza pesquisa e atua principalmente nos seguintes temas: língua japonesa, gramática da língua japonesa e sociedade japonesa.

Bruno Naomassa Hayashi é pesquisador no Programa Internacional de Pós-doutorado do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (IPP-Cebrap). Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo, com período sanduíche na Universidade de Illinois, Urbana-Champaign. Mestre em Sociologia pela Universidade de Nagoya e pela Universidade Estadual de Campinas. Na Unicamp, também completou o bacharelado em Sociologia e a licenciatura em Ciências Sociais. Realiza pesquisas na área de Sociologia, com ênfase em Imigração, Pensamento Social Brasileiro e Teoria Social (Estado, Nação, Raça, Cidadania, Reconhecimento).