Narrativas de Clarice Lispector e Mia Couto retratam exclusão de idosos na sociedade

Apesar dos contextos diferentes, Lispector e Couto mostram em contos e crônicas como o capitalismo descarta os indivíduos que não produzem mais

Por
Gabriela Ferrari Toquetti
Data de Publicação

Clarice Lispector e Mia Couto – Fotos: Wikipedia

Nascida em 1920, Clarice Lispector é considerada uma das maiores escritoras brasileiras do século 20. Mia Couto, por sua vez, é o escritor moçambicano mais traduzido e divulgado no exterior. O que esses dois autores têm em comum?

Em dissertação de mestrado pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, a pesquisadora Carla Casarin Leonardi analisou narrativas curtas, como contos e crônicas, de Clarice Lispector e Mia Couto, observando a forma como retratam a velhice e as personagens idosas. Trata-se de um tema bastante comum nas histórias de ambos os autores.

Ainda que Lispector e Couto estejam inseridos em contextos completamente diferentes – primeiramente por serem de países e épocas distintas –, a pesquisadora observou um ponto de encontro fundamental em suas obras: o retrato de uma sociedade capitalista que exclui e rejeita os idosos como indivíduos que não são mais produtivos.

Brasil x Moçambique

As histórias de Clarice são ambientadas na sociedade burguesa carioca dos anos 1950, 1960 e 1970, registrando principalmente o interior doméstico. Já Mia Couto escreve em um cenário afetado pela guerra nas décadas de 1980, 1990 e 2000 em Moçambique. As circunstâncias diferentes causam concepções de mundo distintas em relação à espiritualidade, à religiosidade e à morte, afirma a pesquisadora.

A questão da morte, que caminha lado a lado com o tema da velhice, é muito presente em ambos os escritores. Porém, em Couto, há uma ideia de circularidade: a morte não é um fim, mas um recomeço. Existe na sua escrita uma valorização da natureza e da volta para a terra, de onde viemos. “Já em Clarice, a morte costuma aparecer como uma oportunidade de libertação para as personagens”, de acordo com Carla.

O capitalismo e a exclusão dos idosos

Apesar das diferenças, tanto Mia Couto quanto Clarice Lispector retratam o avanço do capitalismo, que deixa de valorizar os indivíduos que não produzem mais nada de “valioso” para a sociedade – como os idosos. “Eles são colocados em um lugar de desimportância, mesmo dentro de sua própria família. E a família serve como uma representação da sociedade como um todo”, relata a pesquisadora.

A dissertação de mestrado A velhice em Clarice Lispector e Mia Couto: questões de vida e morte em crônicas e contos selecionados, escrita por Carla Casarin Leonardi e orientada pela professora Vima Lia de Rossi Martin, foi defendida em abril de 2024 no âmbito do programa de Pós-Graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa na FFLCH.

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