Unidade trabalha com ações afirmativas para receber novo perfil de estudantes
O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro, remete à morte de Zumbi dos Palmares, líder do maior quilombo da história do Brasil e símbolo da resistência dos negros contra a escravidão. O feriado nacional representa a luta da população afrodescendente por direitos, oportunidades e espaços que lhes foram tirados.
O movimento negro busca mais do que um reconhecimento simbólico. Como parte de suas reivindicações, as cotas étnico-raciais na Universidade de São Paulo são uma conquista que tem refletido no perfil dos estudantes ingressantes. A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP adotou o ingresso de estudantes pelas cotas para Pretos, Pardos e Indígenas (PPI) em 2018 a partir da decisão do Conselho Universitário.
Entretanto, a unidade foi pioneira na reivindicação por ações raciais afirmativas na Universidade. Desde maio de 2017, por exemplo, o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) adotou e regulamentou a política de cotas para ingresso, acompanhamento e permanência nos cursos de mestrado, doutorado e doutorado direto. Desde sua publicação, o documento prevê a reserva de, no mínimo, 20% das vagas para candidatos(a) autodeclarados(a) negros(a) e 5% para autodeclarados(a) pessoas com deficiência. Além da criação de vagas suplementares para autodeclarados indígenas. Hoje, 40% das vagas são para ingressantes de ações afirmativas.
Em 2018, foi criado, na FFLCH, o Programa de Acolhimento aos Estudantes Cotistas (Paeco), com o intuito de prestar auxílio às pesquisas e à permanência desses novos estudantes. Hoje coordenado pelo docente do Departamento de Sociologia da USP, Murillo Marschner, o Paeco possui uma sala própria para atuação no Espaço Direitos da FFLCH e produz o podcast Trajetórias Afirmativas.
Atualmente, a FFLCH tem se dedicado a pesquisas e eventos relacionados à representatividade e à defesa da população negra. Somente entre 2023 e 2024, já ocorreram mais de 40 ações como cursos, seminários, exposições, conferências, etc. A Comissão de Direitos Humanos (CDDH), que recebe e acolhe denúncias e outras questões que envolvem diferentes preconceitos e violências, inclusive a racial, é outro órgão de defesa da integridade desses alunos.
Segundo a vice-diretora da unidade, Silvana de Souza Nascimento, a ideia é expandir a representatividade pelo reconhecimento de figuras negras importantes da FFLCH. “Começamos, este mês, um projeto de mapeamento da docência negra na FFLCH, desde os primeiros tempos da nossa Faculdade e já estamos com um número de mais de 30 docentes até agora. Queremos saber a história dessas pessoas e valorizar a memória negra que ficou durante muito tempo invisibilizada aqui. Além disso, também queremos conhecer quem foram pessoas negras que passaram pela FFLCH, como estudantes, pesquisadores, professores”.
Hoje, a USP tem 23,2% de autodeclarados pretos, pardos e indígenas (PPI) dentre seus 60 mil alunos de Graduação, resultado da adesão da Universidade ao Sistema de Seleção Unificado (SiSU) (2016), da implementação do sistema de cotas no vestibular da Fuvest (2018) e do início do Provão Paulista Seriado (2023).
Em 2024, o conjunto de processos seletivos de ingresso da Universidade (Fuvest, Enem-USP e Provão Paulista) obteve pouco mais de um quarto das vagas preenchidas por estudantes autodeclarados pretos, pardos ou indígenas, o que representou o maior índice desde a inclusão das cotas na USP. Das 10.753 vagas preenchidas, 5.954 (55,4%) foram de estudantes que cumpriram o Ensino Médio em escolas públicas e, destes, 2.965 (27,6%) fazem parte da modalidade PPI.
Um estudo realizado por pesquisadores da FFLCH, em 2021, já indicava os impactos dessa mudança nas políticas de ingresso na Universidade. Há três anos, cerca de 45% dos estudantes da FFLCH eram cotistas, enquanto os 55% restantes eram não-cotistas.
O artigo, publicado na Revista de Graduação da USP, analisou ainda que a inclusão de modalidades de ingresso para pessoas pretas, pardas e indígenas foi essencial para um quadro discente cada vez mais plural no campus. No entanto, essa pluralidade de etnias exige ações de acolhimento mais específicas e empáticas com esses grupos.
“Não basta se assumir anti-racista, é preciso refazer nossas práticas acadêmicas, políticas e pedagógicas para compreender que a negritude não é apenas resultado da diversidade mas faz parte constitutiva da sociedade brasileira e, por meio da negritude, nos constituímos como sujeitos de conhecimento e podemos transformar a história oficial. Para mim, enegrecer a universidade significa torná-la excelente, criativa e revolucionária”, completa Silvana.