Pesquisa de mestrado valida uso de quadrinhos japoneses para estudos em sala de aula sobre história da imigração no Brasil
O que livros didáticos, jornais, ofícios e mangás têm em comum? Todos são documentos com validade histórica e que registram a memória das civilizações de alguma forma. Em sua pesquisa de mestrado, Fernando Cesar Pereira da Cunha comparou documentos históricos oficiais com mangás - produções literárias de origem japonesa em forma de quadrinhos e com modelo de escrita da direita para a esquerda. O estudo concluiu que é possível utilizar essas produções na educação brasileira.
Fernando entende que é possível ensinar alunos do Ensino Fundamental e Médio com os quadrinhos japoneses. Porém, ele ressalta que é necessário uma mediação dos professores e que outras narrativas sejam incluídas e exploradas por pesquisadores, oferecendo uma compreensão mais complexa e abrangente da experiência japonesa no Brasil. No âmbito acadêmico, o estudo abre portas para futuras análises utilizando os mangás como fontes históricas. “No momento da defesa da minha tese, a banca avaliadora me apresentou outras obras que poderiam ser estudadas. Então há conteúdo para mais artigos ou pesquisas na área”, conta.
A dissertação “As representações da imigração japonesa: a história dos imigrantes nos mangás” analisou O Vento do Oriente: uma viagem através da imigração japonesa no Brasil (2008) e Banzai! História da imigração japonesa no Brasil em mangá (2008), duas produções que, na visão de Fernando Cunha, retratam a história dos imigrantes japoneses com rigorosidade histórica semelhante a livros oficiais, embora de forma romantizada.
Para o pesquisador, narrativas que terminam bem-sucedidas são privilegiadas nos mangás, causando uma exclusão da pluralidade de outras histórias individuais. “Sempre há toda uma descrição dos japoneses que vieram em busca de qualidade de vida, de enriquecer e voltar, enfrentaram as dificuldades das fazendas, adaptação ao clima e à comida do Brasil, lutaram, prosperaram e deu certo”, conta. Fernando explica que o efeito disso é o apagamento de histórias e a formação de tabus nas comunidades descendentes. Ele complementa que estereótipos como “o japonês trabalhador” ou o “japonês inteligente” podem gerar uma chateação e um distanciamento entre descendentes com as comunidades.
Contudo, essa cristalização da memória, que enfatiza a versão de autoridades japonesas (versão oficial), não é suficiente para invalidar o mangá como ferramenta de memória coletiva. Em linhas gerais, as informações transmitidas nos mangás analisados convergem com livros e documentos oficiais, demonstrando que há potencial em utilizar essas produções no ensino sobre a história da imigração japonesa no Brasil. “Por volta de 1930, surgiu na Europa uma nova escola de pensamento histórico que defende que qualquer coisa pode ser considerada um documento histórico, desde que você analise isso utilizando metodologia histórica de perguntar ao documento”, completa.
Os mangás
Fernando recomenda o uso do mangá O Vento do Oriente: uma viagem através da imigração japonesa no Brasil com estudantes do Ensino Fundamental II, devido ao estilo de escrita mais lúdica e fantasiosa. Ao longo de 67 páginas, o livro conta a história de dois amigos que são transportados ao passado da imigração japonesa, traçando uma linha histórica das comunidades.
O pesquisador destaca a iniciativa da obra para captar a atenção do público mais jovem: “Eles conseguiram incluir dentro dessa história até mesmo uma explicação de porque a imigração aconteceu, em um breve momento em que os personagens viam um teatro de fantoche”, conta. Além do resumo histórico, O Vento do Oriente traz um tutorial de origamis, figuras de papel dobrado.
Já Banzai! História da imigração japonesa no Brasil em mangá pode ser trabalhado com o Ensino Médio, na visão de Fernando. Debruçado sobre um diálogo entre um neto e avô descendentes, o livro explora a história das comunidades japonesas no Brasil em vias dos 100 anos da imigração. De acordo com o pesquisador, diferente do outro mangá, este possui um caráter mais documental e enciclopédico, mas que ainda mantém recursos literários para prender a atenção do público. “Eu observei que o avô tinha um conhecimento enciclopédico sobre a história da imigração. Então, percebi que o autor utilizou um artifício para ensinar através da personagem do avô”, completa.
A tese de mestrado As representações da imigração japonesa: a história dos imigrantes nos mangás, de Fernando Cesar Pereira da Cunha, foi orientada por Leiko Matsubara Morales e defendida em fevereiro de 2025 no Programa de Pós-Graduação em Língua, Literatura e Cultura Japonesa da FFLCH.