Na história da Filosofia, ser bom do ponto de vista moral encontra diferentes explicações. O iluminismo do século 18, na figura do filósofo Immanuel Kant, defende que razões morais ocorrem quando o sujeito realiza aquilo que é bom, motivado pelo valor moral dessa coisa. Uma pesquisa da FFLCH, no entanto, defende que Aristóteles apresenta uma visão alternativa à concepção moderna de moralidade.
Desde o final do século 20, o consenso acadêmico concorda que pessoas comuns agem por boas razões ou se controlam para fazer a coisa certa. A tese “A razão prática e seu papel na determinação dos fins da ação na filosofia prática de Aristóteles” defende que para o pensador grego essas pessoas podem fazer coisas boas motivadas por razões distintas. “Isso indica que Aristóteles tem uma concepção de valor moral diferente daquela que se estabelece com a modernidade”, explica Victor Gonçalves de Sousa, autor do doutorado premiado na 14ª edição do Prêmio Tese Destaque USP.
Na filosofia aristotélica, ser virtuoso é fazer a coisa certa porque identifica que ela é a apropriada para a situação. Já o vicioso seria aquele que realiza ações más por vontade própria. Victor defende que Aristóteles tem uma visão muito exigente do que caracteriza um sujeito virtuoso: somente uma pessoa perfeita poderia realizar a coisa certa pela razão certa.
Mas se o virtuoso sempre realiza boas ações e o vicioso ações más, o que levaria as pessoas que estão “no meio do caminho” a tomarem atitudes positivas? Victor concluiu que estas pessoas seriam “agentes heterônomos", pois agem por razões não morais. Assim, eles realizariam a mesma ação que o virtuoso, mas sem se dar conta de todas as características que a tornam a escolha correta. “Eles fazem a coisa certa, mas não pela razão correta”, esclarece.
O pesquisador exemplifica casos no cotidiano: “Alguém que ajuda outra pessoa a atravessar a rua e faz isso não por reconhecer que é a coisa boa a se fazer, mas porque que ele quer encontrar alguém do outro lado da rua e achou oportuno ajudar”.
Outro motivo que poderia levar as pessoas a agirem de forma positiva seria o prazer em ser visto e recompensado socialmente. Para Victor, se por um lado agir apenas para ser honrado ou por medo de ser desonrado leve em conta um valor moral (a honorabilidade), ainda assim esse não seria o motivo correto.
“Esse sujeito pode não saber o que é realmente honroso, porque vai depender de como ele foi educado e da sociedade em que ele está inserido. Muitas vezes, ele pode estar enganado, porque, para Aristóteles, o que determina se algo é digno de honra ou não é saber se isso é a coisa correta a se fazer, independentemente do que a sociedade diga”, afirma.
A pesquisa levou em conta manuscritos que não foram utilizados para a última edição de Ética a Nicômaco, principal obra de Aristóteles sobre Ética. “Há uma tradução árabe que foi descoberta nos anos 1950, que data do século 9, e uma série de outros documentos que não foram utilizados [para a edição]. Há até fragmentos de papiros de Oxirrinco que não foram utilizados”, argumenta.