Museu Paulista da USP recebe de Reginaldo Prandi o maior acervo de livros sobre assuntos afro-brasileiros e africanos

Professor Emérito da Sociologia, Reginaldo Prandi doa seus livros sobre estudos afro-brasileiros, que formarão uma coleção inédita na biblioteca do Museu Paulista
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Redação
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Prof. Reginaldo Prandi ao receber, em 2018, o título de Professor Emérito - Foto: Victoria Golfetti / STI-FFLCH-USP

O Professor Emérito da USP Reginaldo Prandi, docente sênior do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), doou sua biblioteca de estudos afro-brasileiros, a maior coleção particular da área no País, ao Museu Paulista (MP) da USP. Depois de mais de um ano de tramitação, os livros foram transferidos para o museu, também conhecido como Museu do Ipiranga, onde constituirão uma coleção à parte na biblioteca com o nome Coleção Afro-Brasileira Reginaldo Prandi.

O docente estima que foram cedidos ao MP cerca de três mil títulos. “Os livros terão, a partir de agora, novos leitores… seguirão seu caminho”, diz o professor em entrevista ao Jornal da USP. Os livros formam uma coleção de heranças das religiões africanas que o professor manteve separada das outras. Aliás, como ele conta, livros sobre outros temas, como a sociologia, ciência política, antropologia, entre outros, também integravam o acervo pessoal do docente e pesquisador. “É uma coleção, acredito, de uns 30 anos ou mais.”

“Eu tinha ainda em outro ambiente aqui em casa livros de literatura, romance, poesias, livros de viagens, livros policiais. Todos esses foram doados a orientandos e alunos”, conta o professor. Prandi relata que, na parte de cima de sua residência, estavam todos os livros sobre a temática religiosa afro-brasileira e africana. Esses livros, conforme explica, foram reunidos nos últimos 25 anos de estudos.

 

Prandi autor

Entre os livros que irão compor a Coleção Afro-Brasileira Reginaldo Prandi, há obras de autoria do professor. Ele destaca, entre tantos, Mitologia dos Orixás, que teve sua primeira edição publicada há 25 anos pela editora Companhia das Letras. “Até hoje é um livro que vende tanto quanto vendia à época de seu lançamento”, diz o professor, contabilizando que a obra já deve ter umas 42 edições. “Quase duas por ano.” Prandi estima que deve ter uns 40 títulos que tratam de religião. “Não sei precisar, mas é mais ou menos isso.”

Ainda sobre Mitologia dos Orixás, o docente diz tratar-se de uma obra básica, “porque contém todos os mitos que, antigamente, a gente só aprendia escutando nos terreiros, ouvindo. Hoje qualquer pessoa, antes mesmo de se iniciar nos ritos, já pode comprar o livro, emprestá-lo e saber sobre mitos e orixás”, explica. Reginaldo Prandi descreveu em suas obras muitas tradições que sempre foram transmitidas oralmente entre as pessoas que praticavam os cultos afro-brasileiros e africanos.

Além das religiosidades africanas e afro-brasileiras, a coleção de Prandi também possui obras que tratam de religiões afro-americanas e cubanas, e até do Haiti. “Tem lá essas referências por meio de livros publicados nos Estados Unidos sobre uma nova geração de africanos, já afro-americanos, envolvidos com a religião iorubá, mas com uma ênfase maior na questão oracular”, descreve o professor.

 

De casa nova, no Museu Paulista

Desde o dia 1º de dezembro, os livros de Prandi ocupam uma extensa prateleira na biblioteca do Museu Paulista. Mas as consultas pelo público ainda não são possíveis. De acordo com a bibliotecária do MP, Hálida Fernandes, as obras deverão ser todas catalogadas no Dedalus – Banco de Dados Bibliográficos da USP.  “Essa catalogação pode demorar ainda, pois é um trabalho minucioso e que leva tempo. Aos poucos, algumas obras das que estiverem catalogadas poderão ser consultadas”, avisa Hálida, destacando que a coleção de Prandi deverá ficar separada do restante do acervo do MP.

A professora Solange Ferraz de Lima, docente e curadora do Museu Paulista da USP, foi quem, há pouco mais de um ano, deu início às negociações para a doação do acervo de Prandi. “Foi uma vontade dele. Mas trata-se de um processo que não é nada simples em que devem ser respeitados protocolos burocráticos”, explica. Solange lembra que o Museu Paulista tem bibliotecas como a de Santos Dumont, do jornalista e escritor Eduardo Prado e do historiador Edgard Carone, entre outros. “Além de livros, estas coleções reúnem objetos pessoais dessas personalidades”, descreve a docente.

Ao todo, a biblioteca tem mais de 100 mil livros, incluindo os exemplares que estão no Museu Republicano de Itu, no interior do Estado. Para o professor David Ribeiro, com a chegada dos livros de Prandi, o museu ganha uma nova linha de estudos sobre religiosidades negras. “Isso permitirá uma renovação nos estudos do museu”, acredita. O docente destaca ainda que toda a coleção foi avaliada em relação ao seu estado de conservação e mostrou-se em excelente estado.

 

Vida entre livros

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Livros da Biblioteca de Reginaldo Prandi - Foto: Hálida Fernandes

Reginaldo Prandi atualmente é professor sênior na USP. Aposentado desde 2005, optou por continuar a trabalhar na pós-graduação, no Departamento de Sociologia. Mas o início de sua vida acadêmica foi no curso de Veterinária da USP, que ficava no bairro da Aclimação em São Paulo. “Me formei em Ciências Sociais. Fui trancando, anualmente, meu curso de Veterinária. A gente podia trancar a matrícula, não tinha prazo para se formar. Até que chegou um dia em que simplesmente não me ocorreu que eu tinha que trocar a matrícula, esqueci. Foi embora, passou!”, diz o docente. 

Seus escritos sobre religiões africanas e afro-brasileiras são frutos de pesquisas que ele começou a empreender para o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), sobre a influência das religiões na população brasileira. Foi a partir daí que o professor passou a se interessar mais profundamente sobre o tema.

Prandi também escreveu para crianças. “Logo depois que escrevi o Mitologia dos Orixás, a Companhia das Letras propôs que eu escrevesse alguma coisa a respeito de mitologia dos orixás, mas destinada a crianças e jovens. Na época, esse tipo de material não existia”, lembra.

O professor também foi aluno de Fernando Henrique Cardoso, no Maria Antonia. “Naquele período eu o conheci muito pouco, porque logo depois ele teve que sair do Brasil, exilado”, relembra. Tempos depois, os dois se reencontraram no Cebrap. A experiência de Prandi com números e pesquisas fez com que ele participasse da equipe que fundou o Datafolha, no jornal Folha de S.Paulo, em 1983.

Texto original: https://jornal.usp.br/diversidade/museu-paulista-da-usp-recebe-maior-ac…