Demora na avaliação de pedidos de refúgio e grande número de negações deixa imigrantes numa situação de espera permanente
A trajetória de imigrantes africanos em busca de se legalizarem no Brasil foi tema de um doutorado do Departamento de Geografia da FFLCH USP, defendido em março de 2018.
O geógrafo Allan Rodrigo de Campos Silva acompanhou angolanos, senegaleses e congoleses que não encontram alternativas viáveis para se legalizar, e acabam empurrados ao Estatuto do Refugiado como única forma de estabelecer uma vida por aqui.
“Existe um processo social de convencimento desse tipo de imigrante, entendido pela sociedade brasileira como um indesejável, a pleitear essa categoria de refugiado”, explica Allan.
Allan fez trabalhos de campo, entrevistas e avaliou bancos de dados. O material revelou que a maioria dos pedidos de refúgio são negados. Em 2016, por exemplo, o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), órgão ligado ao Ministério da Justiça, recebeu cerca 35 mil solicitações de refúgio, sendo 2281 de Angola, 2167 da República Democrática do Congo e 7206 de Senegal. Destes, foram contemplados 1420 de Angola, 968, do Congo e 7 de Senegal. (ver gráfico abaixo)
Outra observação foi a lentidão dos processos. Em 2017, por exemplo, havia 25 mil pedidos sem avaliação, esperando parecer do CONARE. O pesquisador também ouviu relatos de pessoas esperando por dois anos a avaliação do pedido.
Espera permanente
Após a solicitação de refúgio, a Polícia Federal fornece ao imigrante um documento provisório, um protocolo, que dá direito à emissão de carteira de trabalho e CPF enquanto o processo corre no Ministério da Justiça.
Quem tem o processo negado pode solicitar uma reavaliação do pedido. Daí a tese do trabalho: Allan verificou que o imigrante não acessa a legalidade plena via Estatuto do Refugiado. A maioria fica por anos repetidamente como solicitante, no que o pesquisador define como “temporalidade permanente”.
“Essas pessoas ficam reiteradamente nestas posições de ‘solicitantes de refúgio’, sem nunca vir a se tornar um refugiado de fato. Elas ficam por anos em um limbo jurídico, procurando acessar o Estatuto, e acabam se socializando no Brasil em uma situação muito precária juridicamente falando”, explica.
As relações de trabalho
Em São Paulo, o pesquisador acompanhou imigrantes albergados na entidade filantrópica Missão Paz. No local, organizou um cineclube para exibição de filmes como parte da metodologia de pesquisa e como uma atividade política.
Um dos filmes exibidos, por exemplo, foi Ladrões de Bicicletas, de 1948, no qual o protagonista vive o dilema de precisar roubar uma bicicleta para conseguir trabalhar durante o desemprego geral na Itália do pós-guerra. “Foi uma tentativa, partindo da ideia de enfrentar criticamente a moral do trabalho, de descobrir quais eram as situações de humilhação a que eles estavam submetidos”, esclarece.
Por que o Brasil?
O fluxo de imigrantes africanos para o Brasil nos últimos anos cresceu principalmente pelas barreiras migratórias cada vez mais duras na Europa. O pesquisador aponta como um facilitador a geopolítica no período lulo-petista, quando a abertura de mais de 30 embaixadas e a presença de empreiteiras no continente africano vendeu a eles uma imagem positiva do Brasil.
Allan explica que esse avanço brasileiro na África incluiu uma dimensão ideológica que tenta amenizar o racismo que existe no Brasil: “A forma como o Brasil lida com o racismo entrou sorrateiramente na expansão brasileira na África. Eu chamaria atenção para estarmos exportando a nossa pretensa democracia racial”.
O pesquisador alerta para o crescimento de processos negados e o grande número de imigrantes na situação de temporalidade permanente. Há um conjunto de leis que não conseguem atender esse contingente de pessoas que continuam chegando ao Brasil. “Eu vejo que a situação jurídica do imigrante precisa ser enfrentada com urgência”.