Em evento organizado pelo CERU, docentes falaram sobre a contribuição da professora emérita da FFLCH para a área de Sociologia
No dia 27 de agosto, foi realizada a mesa-redonda A contribuição de Maria Isaura Pereira de Queiroz para a Sociologia brasileira, em homenagem ao centenário de nascimento da docente, completados no dia anterior, 26. O evento foi organizado pelo Centro de Estudos Rurais e Urbanos (CERU) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP – do qual foi uma das fundadoras e diretora-presidente várias vezes.
No início, foi apresentado um trecho do vídeo da cerimônia de outorga do título de professora emérita à Maria Isaura, para mostrar aos presentes um pouco do discurso da docente na ocasião. No vídeo, Maria Isaura contou que quando resolveu entrar na Faculdade de Filosofia, foi considerada na época uma “menina desobediente”, pois em 1946, ano de seu ingresso, não era o caminho mais comum a ser trilhado por uma mulher.
Pioneira
A mesa-redonda seria coordenada pela professora titular sênior do Departamento de Sociologia da FFLCH Eva Alterman Blay, que não pode comparecer por motivos de saúde e foi representada pela filha Silvia Alterman Blay. Ela leu uma carta escrita pela mãe, na qual contava um pouco da relação com a homenageada. “Você não foi minha professora, mas mais do que outra me orientou, corrigiu meus trabalhos sem pedir nada em troca”, destacou Eva na carta.
A diretora da FFLCH, Maria Arminda do Nascimento Arruda, e professora do Departamento de Sociologia, foi a primeira participante da mesa-redonda a falar e ressaltou que, apesar de não ter sido aluna da homenageada, conviveu com ela em muitos momentos, como no grupo de estudos de Sociologia da Cultura além de ter lido suas obras.
Maria Arminda lembrou que a docente era rigorosa, não gostava de amadorismos e a maneira mais profícua de pensar a sua trajetória é abordando suas obras e realizações. Para a diretora, a homenageada, e ex-aluna de Roger Bastide, é uma das professoras mais destacadas da FFLCH. “A sua obra discute a modernidade do Brasil, olha as injustiças que produz este movimento. A tensão rural e urbano marca as suas análises”.
Segundo Maria Arminda, ela se diferenciava não só por ser uma socióloga de alta distinção, mas porque era uma mulher em um ambiente adverso. “Ela não apenas foi e é uma socióloga de envergadura. Mas, uma pioneira que abriu caminho para as gerações seguintes, permitindo que as próximas pudessem encontrar um caminho melhor, neste campo que ainda é muito difícil para nós mulheres. A maneira mais forte de homenageá-la talvez seja refletir sobre os problemas que ela enfrentou e os seus dilemas”.
Interesse por várias áreas
“Vou falar com o coração”, declarou inicialmente a professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Olga Rodrigues de Moraes Von Simson, que foi aluna da homenageada na FFLCH na graduação e sua orientanda tanto no mestrado quanto no doutorado.
Olga frisou que Maria Isaura “é uma pesquisadora consagrada, não só no nosso país mas na França”. Ela recordou que Maria Isaura transitou por várias áreas da Sociologia, dedicando-se inicialmente à Sociologia da Religião, passando para áreas mais específicas dos estudos rurais e depois foi atraída para a Sociologia da Cultura, estudando diversos assuntos, como futebol de várzea e carnaval.
A docente da Unicamp fez questão de destacar o papel importante que Maria Isaura desempenhou na Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) e na consolidação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) para as Ciências Humanas alcançar patamar semelhantes às Biológicas e Exatas.
Ela também relatou momentos que acompanhou a professora em suas pesquisas empíricas sobre o carnaval de Porto Seguro, Salvador, São João del Rei, Rio de Janeiro, em muitos dos quais a professora não foi só espectadora, mas foliã também, pois carnaval era um assunto que a fascinava. “Maria Isaura nos ajuda na compreensão do que é vivido e não sentido”, ressaltou.
Por sua vez, a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Glaucia Kruse Villas Bôas disse que a trajetória de Maria Isaura se confunde com a da Sociologia no país. Ela contou que Maria Isaura tinha interesse particular de conhecer a história dos intelectuais. Porém, por outro lado, a professora insistiu em dar visibilidade às pessoas que faziam parte dos grupos estudados. Porque acreditava que tanto os letrados quanto os iletrados tinham a capacidade de intervir no curso do seu destino.
A docente da UFRJ destacou que, ao invés de patologias e problemas de atraso no Brasil, Maria Isaura preferiu estudar a diversidade de valores e, ao adotar a Sociologia como disciplina, fez uma análise refinada. Prova disso, segundo ela, é que até hoje seus estudos sobre “voto de cabresto” têm repercussão no Rio de Janeiro.
Glaucia, que foi orientanda de Maria Isaura no doutorado, lembra que a professora comentava como foi difícil publicar seus livros, pois somente os homens publicavam naquela época. Mas, mesmos com estas questões, ela conquistou uma autonomia intelectual, “que não é fácil de se adquirir por uma mulher principalmente naquela época. “Aprendi muito com Maria Isaura, mais do que podia ter aprendido com outra pessoa. Suas temáticas a difere dos sociólogos de sua época”, resumiu.
O evento teve a presença de vários ex-alunos da homenageada e também da família, como sua sobrinha Lela Queiroz, docente da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Após, a fala das participantes da mesa-redonda, Lela deu um depoimento sobre a influência de Maria Isaura em sua formação cultural, relembrando letras de marchinhas de carnaval que aprendeu com sua tia, a qual também lhe ensinou o rigor e a não aceitar as primeiras coisas que se ouve, e por causa dela se tornou professora universitária.
Carreira prestigiada
Maria Isaura ingressou no curso de Ciências Sociais da então Faculdade Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), atual FFLCH, em março de 1946, terminando a Licenciatura em 1949. Depois, foi nomeada auxiliar de ensino da Cadeira de Sociologia I, dirigida pelo professor Roger Bastide, na qual trabalhou no período de 1950 a 1955. Em 1951, obteve bolsa do Governo Francês para cursar a École Pratique des Hautes Études en Sciences Sociales, Universidade de Paris, permanecendo até 1953. Diplomou-se em maio de 1956, com tese aprovada por banca composta pelos professores Roger Bastide (orientador), Claude Lévi-Strauss e Gabriel Le Bras. Em maio de 1956, regressou ao Brasil, mas continuou seu trabalho na França e, na FFLCH, lecionou até 1982, quando se aposentou.
Sua obra se divide em pelo menos três campos temáticos: análises sobre a reforma e a revolução por meio dos movimentos religiosos, messiânicos e do mandonismo na política; os estudos rurais, com análise do campesinato brasileiro a partir da definição de grupos rústicos; e os estudos sobre a cultura brasileira, com destaque para as histórias de vida, relações de gênero e o carnaval.
Maria Isaura foi agraciada com os seguintes prêmios e distinções: XI Concurso Mário de Andrade, do Departamento de Cultura do Município de São Paulo, em outubro de 1957, com a monografia A Dança de São Gonçalo num Município Bahiano; Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, com a obra O Messianismo no Brasil e no Mundo, em 1976. Ela foi a primeira mulher na FFLCH a receber o título de professora emérita, em 1990; além de também ter sido a primeira a ganhar o Prêmio Almirante Álvaro Alberto, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em 1998.