Guerra da Cisplatina

O conflito desafiador travado nos primeiros anos do Brasil Império recém independente teve como principal resultado a criação da atual nação do Uruguai

Por
Pedro Seno
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Conforme explica o professor João Paulo, “embora à época tenham surgido narrativas discrepantes, a guerra terminou sem vencedores. Podemos dizer até mesmo que com dois perdedores” [Arte: Pedro Seno]

Durante os anos de 1825 e 1828 ocorreu a Guerra da Cisplatina, ou Guerra del Brasil, como chamam na Argentina e Uruguai atualmente. Foi um conflito travado entre o Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata (um corpo político que hoje podemos chamar de Argentina e Uruguai). O motivo era a disputa que vinha de anos pelo território da Banda Oriental (hoje Uruguai). Assim explica o professor João Paulo Garrido Pimenta, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Segundo o professor, “a região conheceu numerosos conflitos, autoridades e governos, tendo sido parcialmente transformada, em 1821, na portuguesa Província Cisplatina, finalmente incorporada ao Império do Brasil em 1824”. Contudo, o então governo independente republicano de Buenos Aires nunca reconheceu essa anexação. 

Ambas as partes envolvidas resultaram sem vitórias, por mediação do Reino Unido, que possuía interesse na paz para suas investidas comerciais na região. Além disso, ambos os governos foram enfraquecidos, devido às quedas de seus respectivos chefes de Estado após o fim da guerra. A resolução mais importante, porém, foi a criação do Uruguai, um novo corpo político independente que vigora até os dias de hoje.

Para mais detalhes, confira a entrevista concedida pelo professor João Paulo na íntegra:

Serviço de Comunicação Social: O que foi a Guerra da Cisplatina, em termos gerais? (Pensando também no seu período e contexto político da época)

João Paulo Garrido Pimenta: A Guerra da Cisplatina - chamada na Argentina e no Uruguai de "Guerra del Brasil" - foi uma guerra iniciada em 1825 e finalizada em 1828, travada entre o Império do Brasil e um corpo político à época chamado de Províncias Unidas do Rio da Prata, e que eventual e raramente era também chamado de República Argentina. O Brasil tinha estado em guerra, desde a época da Independência, contra Portugal, mas foi a Guerra da Cisplatina a primeira na qual ele se envolveu já como um Estado nacional soberano e internacionalmente reconhecido. As hostilidades tiveram como pretexto as longevas disputas pela então chamada Banda Oriental (hoje Uruguai), e que até 1810 tinha sido parte do Vice-Reino do Rio da Prata, uma unidade do Império Espanhol na América. Entre 1810 e 1825 a região conheceu numerosos conflitos, autoridades e governos, tendo sido parcialmente transformada, em 1821, na portuguesa Província Cisplatina, finalmente incorporada ao Império do Brasil em 1824. O governo independente e republicano de Buenos Aires jamais reconheceu essa soberania - primeiro portuguesa, depois brasileira - sobre a região, o que levou ao início da guerra em 1825.      

Serviço de Comunicação Social: Que impacto a Guerra causou para o Brasil e os países envolvidos?

João Paulo Garrido Pimenta: A Guerra da Cisplatina terminou com mediação britânica, pois o Reino Unido da Grã-Bretanha estava interessado na expansão de sua influência comercial e política na região, intentos fortemente prejudicados pelo conflito. Embora à época tenham surgido narrativas discrepantes, a guerra terminou sem vencedores. Podemos dizer até mesmo que com dois perdedores: no Brasil, ela contribuiu para a queda do governo de D. Pedro I e o fim do Primeiro Reinado, enquanto nas Províncias Unidas ela provocou a queda do governo centralista sediado em Buenos Aires e o fortalecimento de projetos e de forças políticas federalistas. Mas o resultado mais importante da guerra foi, sem dúvida, a criação formal da República Oriental do Uruguai, sediada em Montevidéu, e que desde então daria início a uma vida como corpo político independente que chega aos dias de hoje.

Serviço de Comunicação Social: Como a Guerra da Cisplatina é estudada e inserida no contexto acadêmico atual, de acordo com sua experiência? (Há carência de pesquisas, por exemplo?)

João Paulo Garrido Pimenta: Os estudos acerca da Guerra da Cisplatina se acumulam desde o fim dela, passando por histórias focadas nos aspectos militares do conflito, de exaltação nacional de seus participantes ou de relações internacionais, desembocando em abordagens mais recentes que tomam o conflito do ponto de vista do término dos processos de independência na América aos quais se seguiram outros, de formação de Estados e nações, assim como de suas dimensões econômicas, territoriais, intelectuais e sociais em geral. Muito importantes são as análises que consideram a guerra como parte das dinâmicas históricas da região sul do Brasil, que foi seu principal palco. Atualmente há numerosos e excelentes estudos que nos ajudam a ter visões amplas da guerra, embora - como sempre ocorre com grandes temas - muito ainda precise ser feito. Novos estudos podem - e no meu entender, devem - inclusive colaborar com a revisão de um dos mais poderosos mitos de origem de nossa nacionalidade brasileira: a de que somos um povo supostamente pacífico, uma vez que em nossa história se caracterizaria, dentre outras coisas, pela ausência de guerras internas e externas. A Guerra da Cisplatina é um dos muitos acontecimentos de nossa história que nos mostram o quão enganosa é essa forma de pensar.

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João Paulo Garrido Pimenta é Livre-Docente em História do Brasil Colonial e professor do Departamento de História da FFLCH-USP. Atua principalmente nos seguintes temas: América portuguesa, séculos XVIII e XIX; Independência do Brasil e da América espanhola; Império do Brasil; questão nacional e identidades políticas; história do tempo histórico.