Maternidade de mulheres escravizadas é tema de Seminário Internacional da FFLCH

Evento discute o papel de mulheres escravizadas nas senzalas e como suas maternidades eram tratadas

Por
Astral Souto
Data de Publicação
Editoria

.
Arte por Astral Souto

A luta pela emancipação feminina nunca foi vista da mesma forma por todas as mulheres. Foi concedido por Dom Pedro II, em 1879, o direito às mulheres brasileiras de frequentarem universidades. Porém, grande parte dessas mulheres só teriam esse direito muitos anos depois, uma vez que a abolição da escravatura só seria decretada em 13 de maio de 1888. Enquanto algumas mulheres estavam lutando pelo direito à universidade, outras ainda viviam em condições precárias e sem liberdade alguma.
O Seminário Internacional, Gênero, Escravidão e Liberdade: Perspectivas da Historiografia Brasileira colocou um holofote sobre a vida dessas mulheres escravizadas. O evento, que ocorreu nos dias 28 e 29 de maio, abordou suas dificuldades com a maternidade e como foram levadas a desempenhar um papel central na reprodução da riqueza escravista nas Américas.
A abertura contou com a participação de Maria Helena Pereira Toledo Machado, professora do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Roseli de Deus Lopes, Diretora do Instituto de Estudos Avançados da USP, e Maria Clara Sales Carneiro Sampaio, docente da área de História da América e coordenadora da Pós-Graduação da Faculdade de História (FAHIST) da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA). 

.
Maria Clara Sales Carneiro Sampaio.

Depois da abertura, as primeiras convidadas foram chamadas: Lorena Féres da Silva Telles, pós-doutoranda no Departamento de História da Unicamp, Caroline Passarini Sousa, Doutoranda em História Social pela FFLCH, e Tânia Salgado Pimenta, pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz e professora do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Fiocruz.

.
Caroline Passarini Sousa, Tânia Salgado Pimenta, Maria Clara Sales Carneiro Sampaio e Lorena Féres da Silva Telles.

As duas primeiras pesquisadoras comentaram sobre como eram feitos os partos de escravizadas nas senzalas e como os seus senhores respondiam a isso. Lorena Féres mostrou a sua pesquisa de pós-doutorado que continham fontes escritas que vinham de um levantamento de relatos de viajantes europeus, manuais de medicina, fotografias e depoimentos orais e entrevistas registradas em revistas. As fontes contavam, com detalhes, a vida de escravizadas que estavam passando pela gravidez. Elas, por muitas vezes, trabalhavam até o hora do parto, porém em trabalhos mais brandos e sem castigos severos. Isso porque, como os  bebês também eram mercadoria,não podiam ser lesionados durante a gestação e o parto. Ademais, os senhores também incentivaram a reprodução e o casamento entre os escravizados. 
A doutoranda Caroline Passarini afirmou que o cuidado com a mulher que pariu era central para a manutenção dos escravizados. Documentos de médicos da época davam conselhos para os senhores de engenho sobre como cuidar das grávidas e das crianças escravizadas. A opinião dos médicos era contrária à existência de parteiras que faziam rituais espirituais com as escravizadas. A justificativa para isso era a falta de “civilidade” das parteiras, a mesma que usavam para explicar o porquê das escravizadas serem mais resistentes à dor. 
A terceira pesquisadora, Tânia Salgado, apresentou registros de hospitais, de óbito e de atestados de doenças, de alguns escravizados. Tânia relata como o sequestro e transporte compulsório de africanos, além do comércio, o trabalho árduo, os castigos e as condições insalubres na senzala contribuíram com o adoecimento mental e físico dessas pessoas. Ela afirma que a maior parte das doenças que esse grupo contraiu foram de infecto parasitárias, com prevalência da tuberculose, disenteria, febre tifoide e sífilis. Sua pesquisa, voltada para a maternidade e à saúde infantil, teve como objetivo problematizar e aprofundar os resultados dos laudos encontrados, além de cruzar informações sobre endereços médicos e proprietários que permitam identificar as relações entre os escravizados. 
A primeira mesa da abertura fechou com a palestra Partus Sequitur Ventrem no Brasil Colonial: Legadas Romanas, Práticas Brasileiras, de Cassia Roth, professora associada de história e estudos latino-americanos na Universidade da Geórgia. A professora destacou a importância da lei do ventre livre no Brasil e como isso fez com que mães escravizadas lutassem pelo direito de suas famílias. O resultado foi uma pressão que forçou os legisladores a abolir a escravidão mais rapidamente do que o planejado. Cassia explica que décadas antes da lei do ventre livre ser aplicada, as mães escravizadas já se empenhavam pela liberdade de seus filhos. Brasileiros pró-escravidão eram contra a lei, pois ela fomentava as praticas abolicionistas. Com a lei, uma nova era nas relações de escravidão surgiu no Brasil. 

.
Cassia Roth.

Os dois dias do evento podem ser assistidos pelo youtube do Instituto de Estudos Avançandos (IEA) da USP.