Cerimônia concederá diplomas a 15 alunos mortos pela ditadura militar

Homenagem aos estudantes da FFLCH busca promover justiça e reparar a violência de tortura, de morte e de desaparecimento que eles passaram

Por
Thais Morimoto e Paulo Andrade
Data de Publicação
Editoria

Os 15 alunos que serão diplomados. Fotos: Memorial da Resistência de São Paulo - Arte: Renan Braz

No ano em que o Brasil completa 60 anos do golpe militar, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP realizará uma cerimônia especial para conceder diplomas honoríficos de graduação a 15 estudantes que foram mortos durante o regime. O evento ocorrerá no dia 16 de agosto, às 11 horas, no Auditório Nicolau Sevcenko, localizado no Edifício Eurípedes Simões de Paula (Geografia e História). Também haverá transmissão online. 

A iniciativa faz parte de um projeto mais amplo que visa homenagear ao todo 33 estudantes da USP. Trata-se de um reconhecimento institucional e uma tentativa de reparação pelas violências, torturas, mortes e desaparecimentos sofridos pelas vítimas da ditadura militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985.

“Essa homenagem concedida aos ex-estudantes da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que foi substituída pela atual FFLCH, tem uma importância simbólica imensa”, destaca Paulo Martins, professor e diretor da FFLCH.

“Essa ação significa dizer que a USP tem uma característica de NÃO se ocultar diante das injustiças, da falta de democracia e de justiça social, além de compreender o que são os direitos humanos. Portanto, me sinto imensamente feliz pelo fato de, nos últimos dias do meu mandato como diretor da Faculdade — que se encerra no dia 26 de setembro —, ter sido o diretor que entregou simbolicamente a graduação aos familiares desses nossos alunos que desapareceram no vento nefasto da ditadura”, complementa o diretor. 

Diplomação de Resistência

Intitulado "Diplomação de Resistência", o projeto é fruto de uma parceria entre a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), Pró-Reitoria de Graduação (PRG), Gabinete da Vereadora Luna Zarattini (PT) e o coletivo de estudantes Vermelhecer.

Lançado no dia 15 de dezembro de 2023, em uma cerimônia no Instituto de Geociências (IGc) da USP, o projeto teve como primeiros homenageados Alexandre Vannucchi Leme e Ronaldo Queiroz, alunos do Instituto na década de 1970 e militantes do movimento estudantil da Universidade.

Os homenageados foram definidos pela Comissão da Verdade da USP, que identificou e reconheceu as trajetórias dos estudantes mortos durante a ditadura militar.

Os 15 alunos diplomados

Com histórias singulares, os 15 alunos que serão diplomados possuem em comum o fim de suas vidas antes de conseguirem concluir seus estudos. Conheça mais sobre eles:

Antonio Benetazzo, Filosofia. 
Filho de imigrantes perseguidos pelo fascismo de Mussolini, foi filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e da Ação Libertadora Nacional (ALN). Foi preso e torturado até a morte em 1972. Oficialmente, os agentes alegaram suicídio. Uma praça atrás do MASP foi nomeada em sua homenagem.

Carlos Eduardo Pires Fleury, Filosofia. 
Militante da ALN, foi preso e torturado em 1969, sendo exilado do Brasil em 1970. Retornou em 1971 para atuar no Movimento de Libertação Popular (MOLIPO), quando foi assassinado com sinais de tortura. Foi divulgado que morreu em troca de tiros com agentes de segurança.

Catarina Helena Abi-Eçab, Filosofia.
Participou do movimento estudantil e oficialmente morreu junto ao seu marido, João Antônio Santos Abi-Eçab, em um acidente de carro. Em 2001, um ex-soldado do Exército confessou que órgãos de repressão forjaram o acidente, além de prender, torturar e executar o casal.

Fernando Borges de Paula Ferreira, Ciências Sociais.
Foi líder estudantil e militante sindical na Dissidência Universitária de São Paulo, Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e ALN. Morreu em 1969 em uma emboscada em São Paulo. A versão oficial de sua morte em tiroteio foi contestada por evidências de que foi executado.

Francisco José de Oliveira, Ciências Sociais.
Militante estudantil e na ALN. Em 1970, exilou-se em Cuba e depois retornou ao Brasil como membro do MOLIPO. Segundo a versão oficial, morreu em 1971 em confronto com agentes do DOI-CODI, mas há contradições entre as informações e a Comissão de Mortos e Desaparecidos (CEMDP) indica possíveis torturas.

Helenira Resende de Souza Nazareth, Letras.
Militante estudantil e do PCdoB, foi presa em 1968. Em liberdade, voltou a militar, atuando na região do Araguaia. Em 1972, foi capturada novamente e torturada até a morte. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou o Brasil em 2010 pelo seu desaparecimento e de outras 61 pessoas na região do Araguaia.

Ísis Dias de Oliveira, Ciências Sociais.
Participou de treinamento clandestino em Cuba e retornou ao Brasil em 1970. Foi presa e desapareceu no Rio de Janeiro, em 1972. Em 1979, um general reconheceu sua morte, mas relatórios oficiais da Marinha e do Exército ainda a consideravam "foragida". O Centro Acadêmico de Ciências Sociais da FFLCH leva o seu nome.

Jane Vanini, Ciências Sociais.
Ativista política, se juntou à ALN e ao MOLIPO, saindo clandestinamente do Brasil para Uruguai, Cuba e Chile, onde militou no Movimiento de Izquierda Revolucionária (MIR). Em 1973, foi presa e torturada, sendo considerada desaparecida política. Em 1993, o governo chileno reconheceu a responsabilidade pela morte de Vanini.

João Antônio Santos Abi-Eçab, Filosofia.
Militante no movimento estudantil, morreu com sua esposa, Catarina Helena Abi-Eçab, em um acidente de carro, em 1968. Em 2001, um ex-soldado do Exército confessou à imprensa que órgãos de repressão forjaram o acidente, tendo prendido, torturado e executado o casal.

Luiz Eduardo da Rocha Merlino, História.
Em 1971, depois de participar do 2º Congresso da Liga Comunista na França, foi preso e brutalmente torturado no DOI-CODI/SP, morrendo em decorrência das agressões. A família busca responsabilizar o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra como responsável pela morte de Merlino.

Maria Regina Marcondes Pinto, Ciências Sociais.
Entre 1969 e 70, atuou com seu companheiro Emir Sader, na França, e depois no MIR, no Chile. Foi para Buenos Aires, onde desapareceu em 1976. A Argentina reconheceu a responsabilidade pela sua morte, mas seu corpo nunca foi localizado.

Ruy Carlos Vieira Berbert, Letras.
Participou da "Batalha da Maria Antônia" e recebeu treinamento de guerrilha em Cuba. Retornou clandestinamente ao Brasil e desapareceu entre 1971 e 72. Oficialmente, se suicidou em uma delegacia, o que foi posteriormente desmentido. Atualmente é considerado desaparecido político.

Sérgio Roberto Corrêa, Ciências Sociais. 
Acusado de integrar o Grupo Tático Armado da ALN, morreu em 1969 quando seu carro explodiu na Rua da Consolação, em São Paulo, supostamente por transportar explosivos. Foi enterrado como indigente. 

Suely Yumiko Kanayama, Letras.
Em 1970, ingressou na militância clandestina. Foi morta por militares em 1973 e enterrada em Xambioá (TO). A CIDH condenou o Brasil em 2010 pelo seu desaparecimento e de outras 61 pessoas na região do Araguaia.

Tito de Alencar Lima, Ciências Sociais.
Ordenado sacerdote pela Ordem dos Dominicanos em 1967, foi preso acusado de ter ligações com a ALN em 1969 e torturado durante 40 dias. Em 1971, foi exilado para a França, onde se suicidou em 1974 devido às sequelas das torturas sofridas.