Deputados podem representar mais seus próprios partidos em detrimento de eleitores

Pesquisa da FFLCH aponta que partidos possuem mecanismos para garantir votos a seu favor, mesmo que seja contrário à vontade dos eleitores

Por
Pedro Seno
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Palácio do Congresso Nacional. (Reprodução/ Wikipedia)

Durante os governos de Fernando Henrique Cardoso (1994-2001), tramitava no Congresso Nacional uma proposta de reforma da previdência com forte oposição pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Anos depois, em 2003, o governo de  Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) mudou seu posicionamento junto ao Congresso e aprovou, em curto período, um novo texto de reforma da previdência, atingindo parte importante dos seus eleitores que eram contrários à proposta. A ocasião revelou que o partido possui mecanismos para garantir seus resultados fazendo com que deputados representem mais os interesses de seus grupos políticos do que seus eleitores.

A tese de doutorado de Graziele Silotto, pesquisadora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, mostrou o impacto desse tipo de evento: os eleitores podem perder a confiança e passar a questionar a legitimidade do sistema democrático. Mas, esse não foi o único resultado obtido pela pesquisa. Em determinados casos, as ações dos deputados beneficiam todos os setores envolvidos.

A cientista política buscou entender a relação entre três atores presentes na democracia brasileira: o partido, o deputado e sua base eleitoral. Ela explica que no senso comum, acredita-se que haja somente o par “político” e “eleitor”, mas na prática, essa relação é mais complexa. “No mínimo, tem mais alguém nessa relação, que é o partido”.

A cientista percebeu que o comportamento político no Brasil é muito partidarizado, onde os deputados votam junto ao seu partido em grande parte das vezes, demonstrando a existência de demandas não necessariamente referentes aos interesses do eleitor. Por exemplo, é de interesse do grupo político (ou do partido) buscar a “viabilização de macropolíticas, garantir governabilidade, fazer oposição consistente”, e esses nem sempre são os objetivos do eleitor, explica a cientista.

O que os eleitores acham?

Graziele Silotto pesquisou aproximadamente mil eleitores questionando o quanto eles conhecem o sistema representativo. Foi perguntado primeiro se sabiam que os deputados precisam votar, por vezes, junto aos seus partidos. Cerca de metade afirmou ter consciência disso. Em seguida, a pesquisadora questionou se os eleitores estão de acordo com políticos representarem interesses partidários. Quase todos (cerca de 80%) discordam desse comportamento.

Quem os deputados representam?

Na tensão gerada entre a necessidade dos deputados representarem dois grupos diferentes, foi levantado o questionamento: quem os deputados estão representando, de fato? Para responder, a pesquisadora examinou as chamadas “políticas do visível”, e concluiu que tanto políticos quanto partidos e eleitores são beneficiados de alguma maneira.

As políticas “visíveis” são aprovações de emendas orçamentárias e alocação de verbas para obras. Os deputados devem escolher entre alocar para sua base eleitoral (entendido como eleitores de sua cidade natal), para outras prefeituras do seu mesmo partido, ou para beneficiar prefeituras de partidos diferentes. Após análise de valores, a pesquisadora descobriu que deputados enviam mais verbas para sua base eleitoral, seguido de prefeituras do mesmo partido e por último prefeituras em geral, demonstrando o quadro de representatividade dos políticos.

Porém, no caso de alocação de verbas para emendas, partido, deputado e eleitor recebem algum retorno positivo, podendo se afirmar que a representatividade é ampla. O deputado ganha pelo aumento de popularidade e possibilidade de reeleição; o partido, pois quando seus deputados geram visibilidade, fortalecem a imagem do grupo e garantem mais votos futuros; o eleitor também, pois se beneficia de novas obras realizadas na sua cidade.

E quando a votação possui benefícios difusos e custos concentrados?

Por último, nos casos em que a votação carrega uma tensão de interesses, foi descoberto pela cientista que o partido dispõe de estratégias para garantir aprovação favorável a si. “O partido tem mecanismos para garantir que determinadas políticas sejam aprovadas mesmo que implique que seus políticos votem contrários aos seus eleitores”, afirma.

Na tese, foi utilizado como estudo o caso da reforma da previdência de 2003, durante o governo Lula (PT), que impunha custos diretos aos servidores públicos, base eleitoral do PT. A pesquisadora buscou identificar, entrevistando os políticos da época, quais foram as articulações e mecanismos que o partido dispunha para atingir seus objetivos. “A própria inclusão de setores como os servidores públicos e sindicalistas no governo foi, em parte, o que facilitou a aprovação”, explica Silotto, pois a presença dessas figuras conferia confiabilidade na decisão do governo.

Mas essa não foi a única estratégia. Em entrevista à pesquisadora, um dos deputados afirmou: “Nós tínhamos uma responsabilidade com o eleitor [antes]. Governando o país, nós tínhamos uma responsabilidade com o país. Nós tínhamos que mostrar para a base eleitoral que isso é necessário para sustentar a democracia e o sistema fiscal do país como um todo”. O partido então disponibilizou justificativas que fossem alinhadas à sua posição e dos seus políticos para explicar a necessidade de aprovação aos eleitores.

Outra articulação do partido, conforme demonstrou a cientista política, foi abrir negociações com deputados que estivessem dispostos a ajudar na aprovação. Em contrapartida, àqueles que não ajudassem, haveria veto. Alguns deputados do PT, na época, se opuseram à decisão do governo e foram expulsos. Graziele entrevistou todos os dissidentes e ex-deputados alinhados à reforma e concluiu que essa foi uma das maneiras de assegurar um comportamento disciplinado dos deputados, configurando também um dos mecanismos de aprovação.

A pesquisadora concluiu que a relação desigual na representação de partido e eleitor impacta na impressão das pessoas sobre o sistema democrático. “A representação política é o âmago da democracia. Perceber que somos representados confere legitimidade a esse sistema democrático. Essa tensão gerada por vezes causa algum desgaste”.