Pesquisa comparou anúncios publicitários brasileiros e franceses das décadas de 1970 e 2010, com foco na imagem da mulher e do corpo feminino
Como a publicidade reflete o contexto social e político de um lugar? A questão foi tema de estudo em dissertação de mestrado da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. A pesquisadora Letícia Thomé de Oliveira comparou anúncios publicitários produzidos no Brasil e na França nas décadas de 1970 e 2010, com foco na imagem da mulher e do corpo feminino, e percebeu um certo conservadorismo nessas propagandas, mesmo após anos de transformação social.
Letícia pretendia analisar os contrastes da representação da mulher com o passar do tempo, fazendo uma comparação entre dois países com realidades políticas e sociais distintas. Nos anos 1970, o Brasil vivia a ditadura militar e a França havia acabado de passar pelo Maio de 1968, movimento estudantil que tinha entre suas pautas a igualdade de gênero e a liberdade sexual. Eram momentos completamente diferentes, portanto.
Já na década de 2010, ambos os países viviam democracias, mas o Brasil passava por uma ascensão da extrema direita, que não conseguiu chegar ao poder na França. A realidade política brasileira permanecia mais conservadora do que a francesa, explica a pesquisadora.
A publicidade e os estereótipos da imagem da mulher
Mesmo com tantas diferenças entre o Brasil e a França, o estudo revelou que a imagem da mulher na publicidade era muito semelhante nos dois países na década de 1970. Em ambos os contextos, o corpo feminino parecia estar atrelado a papéis estereotipados, segundo Letícia, e as diferenças entre essa representação no Brasil e na França eram muito sutis, considerando a discrepância significativa entre os países.
A análise da publicidade dos anos 2010 também foi surpreendente, mostrando que, apesar da força das redes sociais, do movimento feminista e das discussões crescentes sobre igualdade de gênero e feminicídio, os anúncios ainda perpetuavam estereótipos do papel da mulher na sociedade. As propagandas já começavam a trazer uma representação mais “empoderada” das mulheres, mas ainda muitas vezes atrelada à imagem clássica de feminilidade e sensualidade.
“Como a publicidade é uma indústria milionária, talvez seja arriscado trazer conteúdos muito transgressores. Existe um discurso transgressor, mas, na hora de ‘colocar a mão no bolso’, o conservadorismo acaba vencendo”, conclui a pesquisadora.
A dissertação de mestrado O corpo feminino no espaço e no tempo: uma análise comparativa de propagandas das décadas de 1970 e de 2010 no Brasil e na França, escrita por Letícia Thomé de Oliveira e orientada pela professora Sheila Grillo, foi defendida em maio de 2024 no âmbito do programa de Pós-Graduação em Filologia e Língua Portuguesa na FFLCH.
A reportagem em áudio está disponível no Spotify: