Pesquisa da FFLCH também revelou como as pessoas afetadas e mortas pelos acidentes são pouco representadas nas coberturas jornalísticas de grandes veículos
Muitas são as maneiras de noticiar desastres ambientais e muitas são as palavras que podem ser utilizadas para descrever esses eventos e suas consequências. Termos como “meio ambiente” e “natureza” são pouco ou nunca abordados e o viés das notícias centraliza a figura do homem, tornando o impacto nos ecossistemas apagado. A avaliação é da pesquisadora Célia Regina Arães, que investigou a maneira como são tratadas as coberturas de acidentes ambientais em dois grandes jornais do Brasil: a Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo.
Em sua tese de doutorado, a pesquisadora analisou notícias de quatro grandes desastres de diferentes épocas: a explosão da usina nuclear de Chernobyl em 1986; o derramamento de petróleo no Alasca pelo navio Exxon Valdez em 1989; e os dois rompimentos de barragem de rejeitos de mineração, nas cidades brasileiras de Mariana e Brumadinho em anos recentes.
Na pesquisa, foi utilizada como modelo teórico a “ecolinguística”, uma ramificação de estudos linguísticos que leva em conta a interação da linguagem humana com o mundo. Na área, considera-se o ser humano como hierarquicamente igual aos demais sistemas ecológicos da Terra, como a fauna, a flora e os recursos naturais. O modelo condena o chamado “antropocentrismo”, quando o ser humano e suas necessidades são elevadas a um status de superioridade nos diferentes discursos realizados pela sociedade. É defendido um viés que iguala a importância de tudo aquilo responsável pela manutenção da vida humana no planeta.
A escolha dos jornais, Folha e Estadão, deu-se devido aos dois veículos possuírem corpus de notícias dos quatro eventos estudados e por terem maior distância espacial em relação aos acidentes. Segundo Célia Arães, jornais regionais são menos isentos, por exemplo, de vieses políticos e, por vezes, não possuíam coberturas de acidentes mais antigos como o de Chernobyl. Ao todo, foram selecionados para estudo 60 textos.
No processo de análise das notícias, a cientista separou três grupos de atores sociais: primeiro os responsáveis, como as empresas e o governo soviético (no caso da usina de Chernobyl); segundo, as pessoas não responsáveis mas envolvidas no desastre, como governos, médicos e especialistas; por fim, os vitimados, que são sujeitos impactados diretamente pelos acidentes, como as pessoas afetadas e mortas.
A tese mostrou que os atores do terceiro grupo são pouco representados nas notícias. “Pouco se falou das características das pessoas mortas e afetadas, como o fato de que perderam suas casas, seus empregos, sua dignidade, identidades, perderam documentos e fotos da vida inteira”, explicou Célia Arães.
Além disso, foi feito levantamento quantitativo dos termos aparentes nas notícias como “natureza” e “meio ambiente”, que quase nunca foram enunciados. “Quantas vezes apareceu a palavra ‘natureza’, ‘ecologia’, ou ‘proteção’ e ‘preservação’? Muito pouco. ‘Natureza’ não apareceu nenhuma vez, ‘meio ambiente’ apareceu umas seis vezes no total”, apontou a pesquisadora.
Foi descoberto na pesquisa que os discursos dos jornais são “antropocêntricos”, pois dão mais importância aos impactos humanos provenientes dos desastres. “Vemos a quantidade de mortes humanas, a quantidade de problemas que os homens tiveram, o quanto aquilo afetou o homem. Mas, quem corre atrás do prejuízo da natureza, da preservação e dos recursos naturais são os especialistas, que não dão conta [de informar a população]”, explicou a pesquisadora.
Para Célia, mesmo que existam notícias sobre eventos como a Conferência das Partes (COP) e os encontros da ONU para o meio ambiente, além de agentes de notícias especializados no assunto, o tratamento jornalístico em caso de acidentes é assimétrico. Nesses eventos, os grandes veículos de informação mostram uma visão antropocêntrica do mundo: “É claro que em notícias sobre a COP vai aparecer mais o meio ambiente. Mas quando há destruição da natureza, a tragédia passa a ser uma tragédia apenas do homem e não uma tragédia ambiental também”.
A tese, ainda, levantou motivos pelos quais os acidentes desse tipo são mais recorrentes e pelo qual há ainda iminência de novas tragédias ocorrerem. A importância econômica da exploração de petróleo, mineração e energia nuclear é muito grande, o que leva as empresas e governos a assumirem riscos altos. De acordo com Célia, “nenhum seguro cobre acidentes ambientais, pois os riscos são muito altos. A falta do seguro é evidência de que os acidentes vão ocorrer”.