Encontro reuniu cinco docentes e funcionária para contar a história da Faculdade sob diferentes pontos de vista
A história da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP é cheia de dificuldades e reviravoltas, conquistas e sucessos. Por isso, para entender suas tribulações, eternizar seus feitos intelectuais e nomes de notáveis professores, é de grande importância relembrarmos a história da nossa Faculdade e analisarmos o seu trajeto até a FFLCH de hoje. Esse foi o objetivo do evento "FFCL E FFLCH - 1934 / 2024: 90 Anos de Construção e Perspectivas".
Realizado no dia 22 de agosto, o encontro contou com a presença de cinco professores, escolhidos para representar cada um dos cursos de graduação da FFLCH. Marilena Chaui, docente do Departamento de Filosofia; José Luiz Fiorin, docente do Departamento de Linguística; Ana Fani Alessandri Carlos, docente do Departamento de Geografia; Maria Ligia Coelho Prado, docente do Departamento de História; Sylvia Caiuby Novaes, docente do Departamento de Antropologia; e Marie Marcia Pedroso, assistente acadêmica da FFLCH. Também foi convidada Marie Marcia Pedroso, Assistente Acadêmica da FFLCH, para representar o corpo funcional da Faculdade. Além do diretor da FFLCH, Paulo Martins, e a vice-diretora, Ana Paula Megiani
Abílio Tavares, funcionário da Assessoria de Projetos Especiais da FFLCH e idealizador do evento, iniciou o encontro apresentando a equipe que o ajudou a buscar as memórias da Faculdade para a confecção do site “90 anos de história” e preparação para o próprio evento. E a partir disso, contou um pouco sobre a história da FFLCH.
Ainda antes da fala dos professores convidados, houve uma comemoração sobre os 50 anos de trabalho de Regina Celi Sant’Ana, que atua atualmente como Chefe Administrativa no Serviço de Pós-Graduação da FFLCH.
Marilena Chauí, representante do curso de Filosofia, contou sua jornada como estudante da USP, tanto pelo prédio da Maria Antônia, quanto pelo campus do Butantã. Criou uma linha do tempo sobre o Departamento de Filosofia que ia desde a sua criação até os dias de hoje. Marilena a dividiu em quatro fases. Universidade Aristocrática: Criado por uma missão francesa no Brasil, o Departamento de Filosofia da USP era apenas direcionado à alta classe social, sendo visto que era necessário a proficiência em línguas europeias, em especial o francês; Posse da Ditadura Militar: A vigilância de militares era instaurada na Universidade. Havia professores e alunos presos, torturados e exilados. Além de uma mudança nos objetivos do ensino. A ideia era produzir trabalhadores intelectuais que as empresas precisavam; Universidade Produtiva: Época em que acontece uma exposição pública da Universidade, onde ela deveria demonstrar à sociedade tudo que efetivamente realizava; Universidade Operacional: A universidade atual, que segundo Marilena Chauí “Você não pensa, você só realiza tarefas”. A velocidade exigida pela era digital está acarretando em uma precariedade do ensino. Marilena parabeniza a iniciativa do evento e do site e diz: “Fico muito feliz com o fato de vocês resgatarem a história da Instituição, porque os alunos vão poder saber o que formou a Faculdade que eles estão hoje”.
O evento seguiu com José Luiz Fiorin que explicou, na sua concepção, quais são os objetivos do curso de Letras e qual sua importância. Fiorin expõe: “Muito importa refletir sobre o que é um curso de Letras. Pois me parece que ele não é compreendido, mesmo no interior da Universidade”. Ele se recorda sobre a fala de um pró-reitor da USP que menosprezou o curso dizendo que a única utilidade da formação em Letras era ensinar o inglês. O professor reitera: “O curso de Letras não visa o aprendizado na norma culta da língua em sua modalidade escrita, nem ao aprendizado de compreensão de texto. Também não visa a aquisição de proficiência em línguas estrangeiras”. Por fim, explica que o real objetivo da formação é aprender a refletir sobre os fatos linguísticos e literários analisando-os, descrevendo-os e explicando-os.
Ana Fani Alessandri Carlos falou sobre sua trajetória de estudos. Ana, antes de entrar no curso de Geografia da USP, se formou na escola de educação, em 1971, e viveu seu período como estudante secundarista na ditadura militar. Comentou que nessa época os papéis estavam invertidos. Os militares tinham medo dos adolescentes e seu futuro. Contou que em seu curso superior, a localização do curso de Geografia fez toda a diferença em seus estudos e em seu pensamento crítico. O Departamento de Geografia da USP é o único do Brasil que se situa dentro da Faculdade de Filosofia. Os outros se encontram na Geociências. Isso faz com que o ensino de Geografia da USP seja diferente de todos os outros, diz Ana Fani. Em um contexto mais atual, a professora conta sobre a criação do grupo de Geografia Urbana Crítica Radical (GESP) da USP, de sua autoria. Ela relata que o grupo GESP surgiu em um momento onde havia uma maior preocupação com um olhar mais crítico e profundo da Geografia. Foi também uma das pioneiras no debate de Geografia Urbana, assim como fez o primeiro Encontro Nacional de Geografia Urbana. Além disso, participou da elaboração da revista GEOUSP, que tem como prioridade dar visibilidade aos trabalhos de alunos.
Maria Ligia Coelho Prado, igualmente a Marilena Chauí e Ana Fani, usou seu espaço de tempo à mesa para apresentar sua história acadêmica. Maria divide sua história acadêmica em 4 cenários marcantes para ela. No primeiro cenário, a professora comenta sobre seu primeiro ano de graduação, em 1968. Conta que na disciplina de História Antiga, com o professor Paulo de Castro, teve que apresentar um seminário que explicasse a história do general ateniense Temístocles e como ele venceu uma batalha contra os persas. No segundo cenário, no ano de 1973, Maria era mestranda da FFLCH e relata que, juntamente com sua parceira intelectual Maria Helena Capelato, produzia seu mestrado sobre a ideologia liberal do jornal O Estado de S. Paulo. Além de outros trabalhos críticos ao liberalismo e ao capitalismo. O terceiro cenário, que acompanha a professora de 1975 a 2010, corresponde à sua vida como docente da Faculdade. Lecionava sobre a História da América Latina Independente e realizava pesquisas com relação ao eurocentrismo e a identidade latino-americana. Em sua fala relativa ao quarto cenário, quando já era professora aposentada, diz: “Os tempos da minha vida acadêmica estão fortemente articulados a esta casa. Devo à USP a sólida formação que me possibilitou construir uma visão crítica do presente por meio da história. Nestes 90 anos de vida a FFLCH fez conviver a produção do conhecimento crítico ao lado de seus compromissos com os problemas da sociedade brasileira, e alcançou reconhecimento internacional por seu desempenho”.
Sylvia Caiuby Novaes, elogiou a Faculdade na época em ela se localizava na rua Maria Antônia: “A Maria Antônia era uma verdadeira universidade, ela foi uma mudança em meus pensamentos e minha vida”. Em suas memórias desse tempo lembrou de seu encontro com José Dirceu, das escadas de mármore da Faculdade, de quando seu fusca branco virou barricada contra ataques do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) e dos cursos de sociologia. Sylvia conta que o prédio Maria Antônia foi destruído e os estudantes foram obrigados a se mudar para os “barracões” no campus no Butantã. Segundo ela, a estrutura das salas eram muito precárias: Era impossível ouvir uma aula. Ouvimos várias aulas simultaneamente, pois as paredes não iam até o teto e vazava o som. As chuvas faziam muito barulho ao cair no telhado e os ventos traziam pó de cimento. O frio era muito frio e calor era muito calor”. A professora também compôs uma crítica sobre a Universidade atualmente. Disse que a maioria das publicações científicas de hoje acabam por serem de forma online e frenética em revistas que promovem a mercantilização da produção intelectual. Também destaca o fato dos departamentos terem aumentado suas produções e, pouco a pouco, substituindo funcionários por bolsistas e estagiários: “Certamente isso contribui para a formação dos alunos, mas isso significa mão de obra barata para a Universidade”.
Marie Marcia Pedroso finaliza o evento dando a sua visão da Universidade como funcionária. Ela está na USP desde 1986 e sua jornada até seu cargo de funcionária foi cheia de adversidades. Antes mesmo de ser contratada, teve o seu primeiro contato com a USP através da biblioteca de Direito. Também recordou três grandes greves do movimento estudantil, das quais fugiu da repressão policial. Mencionou também sobre as mudanças no corpo de funcionários que diminuíram muito, de 400 para 282. Marie falou sobre a importância dos funcionários que, mesmo de forma reduzida, ainda cumprem seu papel: “Os funcionários são a atividade meio, para que os alunos e professores atinjam sua atividade fim”.