Pesquisa da USP analisou artigos publicados na imprensa por Antônio Carlos Pacheco e Silva, médico com ideias eugenistas, e pelo sociólogo Gilberto Freyre
Em 1908, o navio Kasato Maru atracou em Santos, São Paulo, trazendo os primeiros imigrantes japoneses para o Brasil. Em 2022, a Embaixada do Japão no Brasil estimou que aproximadamente 2 milhões de japoneses e descendentes vivem no Brasil. Entretanto, a visão sobre a chegada e integração dos imigrantes passou por transformações ao longo do século 20.
Como parte de seu doutorado, o sociólogo Bruno Hayashi desenvolveu uma análise dos artigos em jornais de dois intelectuais influentes das décadas de 1940 e 1950 – Antônio Carlos Pacheco e Silva, médico com crenças eugenistas, e Gilberto Freyre, sociólogo –, ambos parlamentares, que ressaltam as transformações sobre a perspectiva da imigração japonesa no Brasil.

“Tem toda uma tradição de pesquisa sobre a imigração japonesa na sociologia, mas não tem muita discussão sobre raça. As discussões, tradicionalmente, eram sobre a assimilação e a aculturação dos japoneses”, diz Hayashi. O pesquisador traz visões antagônicas da época: Pacheco e Silva alimentava sentimentos antinipônicos e contra a vinda dos imigrantes, enquanto Freyre acreditava que uma boa recepção era essencial, mas que eles deveriam se adaptar à cultura local.
Usar os artigos dos jornais O Estado de S. Paulo, escritos por Pacheco e Silva, e O Cruzeiro, escritos por Freyre, foi uma estratégia de fontes, para identificar o que políticos, autores e a imprensa falavam sobre os japoneses na época. “A estratégia era, principalmente, para evidenciar a questão racial, que os japoneses não eram ‘neutros’, eram só mais um grupo imigrante”, explica o sociólogo.
O artigo, publicado na Revista Dados (Grupo SciELO – Science Eletronic Library Online), é parte da tese desenvolvida por Hayashi na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, intitulada Do “perigo amarelo” à “minoria modelo”: a imigração japonesa no pós-guerra brasileiro.
Pacheco e Silva
Pacheco e Silva era um psiquiatra e importante eugenista nas décadas de 1930 e 1940. No início do século 20, os defensores da eugenia relacionavam os problemas sociais à biologia, dividindo as pessoas em adequadas e inadequadas, e acreditavam num controle sobre a genética e hereditariedade dessas características.
Entre as décadas de 1930 e 1940, o médico, em função de parlamentar, defendeu medidas antinipônicas em seus artigos de opinião para o jornal O Estado de S. Paulo. Mesmo com o fim da Segunda Guerra Mundial e a exposição de que Hitler tinha como base a eugenia para justificar o genocídio cometido na Alemanha, Pacheco e Silva – não mais na posição de parlamentar, mas na de formador de opinião –, continuava defendendo sua argumentação, baseando-se no elemento racial.
Mas o posicionamento de Pacheco e Silva mudou a partir da década de 1950. Além de não citar mais a eugenia, ele passou a defender os esforços da Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para a cooperação e comunicação entre os povos. “Não dá para saber exatamente se ele já tinha mudado o pensamento no final da década de 1940, mas [a eugenia] não é um tema tão central. Já em 1950, 1951, ele volta a falar de política, e aí é mais claro que a posição dele mudou”, diz Hayashi.
Aculturação
Ao contrário de Pacheco e Silva, Gilberto Freyre defende a imigração. “Ele é uma figura importante no debate antirracista desse período”, explica Hayashi. “Ele [Freyre] começa a falar que o Brasil precisa receber bem os estrangeiros, que os Estados Unidos receberam e tiveram muitas vantagens. Ele faz esse desenho, de que é muito bom ter uma pluralidade de culturas vindo para o Brasil”, completa.
Freyre, no entanto, não defende o multiculturalismo – quando há uma convivência entre diferentes culturas. Ele acreditava que os imigrantes deveriam se adaptar ao País e sua visão de mundo, neste caso, com forte influência portuguesa. “A grande tese de Freyre era mostrar que o Brasil não tinha preconceito”, explica Hayashi.
A teoria mais conhecida de Gilberto Freyre é a da democracia racial, que reforçou a ideia de que as relações entre colonizadores, indígenas e escravizados formaram de maneira pacífica o povo brasileiro. Críticos de Freyre, no entanto, destacam o conservadorismo do autor pernambucano, que teria suavizado e ignorado a violência e o racismo no processo de colonização brasileiro.
Perigo Amarelo
A tese completa abrange outras fontes históricas, em que Hayashi explica a transformação do Japão de “perigo amarelo” – termo relacionado à potência bélica e guerras em que ele esteve envolvido – a uma “minoria modelo”.
O sociólogo explica que usar uma minoria como modelo era uma forma de colocar uma minoria contra outra. “Tem essa coisa de ‘olha, eles chegaram lá’, e isso mostraria que o Brasil é racionalmente democrático”, diz. O pesquisador pretende transformar o artigo e o restante da tese em um livro.
O artigo A Imigração Japonesa nas Fronteiras entre o Pensamento Social e a Política Parlamentar: A Eugenia de Pacheco e Silva e a Sociologia de Gilberto Freyre está disponível neste link.
Mais informações: com Bruno Hayashi, bruno.n.hayashi@gmail.com
*Por Gabriele Mello, estagiária sob orientação de Tabita Said
Texto original: https://jornal.usp.br/ciencias/eugenia-e-aculturacao-como-a-imigracao-japonesa-era-representada-nos-jornais-do-brasil/