"Sua obra abriu caminho para pesquisas sobre relações sociais e condições de vida dos amplos setores marginalizados da sociedade colonial", afirma Renata Bastos
Autor do notável livro Formação do Brasil Contemporâneo, que disseca a história e identidade brasileira desde a colonização até a atualidade, Caio Prado Júnior nasceu em 11 de fevereiro de 1907. O historiador, geógrafo e sociólogo veio de uma família paulista influente, com parentes que atuavam na esfera política do estado. Dona Veridiana da Silva Prado, bisavó de Caio, manteve, no final do século 19, o funcionamento do salão literário mais importante da cidade de São Paulo. Seu tio, Antônio Prado, foi fundador do Partido Democrático (PD), onde Caio Prado Júnior se filiou em 1920.
Depois da Revolução de 1930 e antes da dissolução do PD, o sociólogo se agregou ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), em 1931. Criticando duramente o governo de Getúlio Vargas, lança seu primeiro livro em 1933, Evolução Política do Brasil, em que se aprofunda na história do país, a compreendendo em outra visão diferente das gerais. Tentava entender o possível futuro da sociedade brasileira que vinha evoluindo desde o Brasil Colônia.
Mesmo sendo perseguido pelos policiais do Governo Vargas, em 1943, Caio Prado Júnior, juntamente com seu pai e outros colegas, fundou a Editora Brasiliense. Focada nas ciências sociais e responsável pelo lançamento da Revista Brasiliense, em 1955. “A Editora Brasiliense tornou-se um marco do mercado editorial brasileiro. Mas, penso que ainda merece uma pesquisa mais minuciosa devido a sua singular contribuição”, afirma Renata Bastos da Silva, doutora em História pelo programa em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
Em 1947, torna-se deputado estadual, cargo em que não permanece por muito tempo, pois em 1948 o PCB é cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral. Em 1971, é preso pelo regime militar e cumpre parte da pena no Quartel da Cidade Universitária de São Paulo.
Em sua obra mais famosa, Formação do Brasil Contemporâneo, Caio Prado Júnior analisa o período colonial de nosso país e como as consequências deste momento fazem diferença no Brasil contemporâneo. O autor coloca em evidência a população marginalizada, a inclui como parte do desenvolvimento brasileiro e expõe como o governo português evoluiu em detrimento da população.
Confira a entrevista completa que a Professora Renata Bastos da Silva concedeu ao Serviço de Comunicação Social:
Serviço de Comunicação Social: Você poderia comentar brevemente sobre quem foi Caio Prado Júnior, para os leitores que ainda não o conhecem?
Renata Bastos da Silva: Caio Prado Júnior foi um homem público que ao longo de sua vida (1907-1990) esteve estudando, escrevendo e viajando em nosso Brasil. Foi a quarta geração de uma família que marcou a história da cidade de São Paulo, em particular. Dona Veridiana da Silva Prado (1826-1910), sua bisavó, destacava-se por manter, em finais do século 19, o salão literário mais importante da cidade de São Paulo, recebendo personalidades sem distinção de raça ou credo político. Seguindo o caminho da vida pública, Caio da Silva Prado Júnior se filiou ao Partido Democrático (PD), nos anos de 1920, assim juntando-se ao tio, Antônio Prado, um dos fundadores do PD. Já nesse período, o jovem Caio Prado Júnior, segundo consta, gostava de apreciar sua cidade ao passear em sua bicicleta. Em 1931, filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), quando expôs suas críticas ao Governo de Getúlio Vargas. Em 1933, ousou sugerir mudanças no modo como se interpretava o processo histórico brasileiro, ao lançar seu primeiro livro Evolução Política do Brasil (1933), ao afirmar que o feudalismo não deixa traço algum na formação histórica do Brasil. Por outro lado, há exatos 80 anos, quando publicou seu livro História Econômica do Brasil (1945), entre novembro e dezembro de 1945 se engajou na campanha para deputado federal, pelo PCB, num contexto de redemocratização após o Estado Novo (1937-1945). Em seus Diários (1935-1947) - que se encontram no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) - Caio Prado Júnior registra sua chegada de bicicleta a uma reunião de operários, como uma das suas atividades de sua campanha, na vã tentativa de despistar os policiais que acompanhavam de perto seus passos. Nos resultados das eleições de 1945, Caio Prado Júnior se torna suplente de seu amigo Jorge Amado. No ano seguinte, após a proclamação da constituição federal de 1946, torna-se candidato, pelo PCB, a deputado estadual em São Paulo. Desta vez, vitorioso, assume seu breve mandato em 1947, que se finda em fevereiro de 1948, quando seu partido é cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral. Foi um parlamentar atuante na Assembleia Estadual de São Paulo, fazendo parte das principais comissões, entre elas a Comissão Especial de Constituição, responsável pela elaboração e sistematização da proposta da Constituição estadual de 1947. Tinha, segundo a profa. Maria Odila da Silva Leite Dias (1989), um amor inabalável pelas diversidades e lutas do Brasil Contemporâneo. Escreveu outros livros, além dos já citados, Formação do Brasil Contemporâneo (1942), e já em plena ditadura militar-civil de 1964, A Revolução Brasileira (1966); era sobretudo um ensaísta que escrevia sobre nosso país. Em 1971, de acordo com a profa. Maria Odila, condenado a cinco anos de prisão, pela ditadura militar-civil, cumpriu parte da pena no quartel da Cidade Universitária de São Paulo. Ao ser solto, quis cruzar a estrada transamazônica, revisitar o sertão do Nordeste, retomar o contato com os problemas das populações locais ( Dias, M. O. L. S.,1989). Adaptou a ação política às especificidades sociais do Brasil e como historiador, quis relacionar os limites tênues entre história social e história política ( Dias, M. O. L. S.,1989).
Serviço de Comunicação Social: Qual a importância da criação da Editora Brasiliense?
Renata Bastos da Silva: A editora Brasiliense foi fundada, em 1943, por Caio Prado Júnior, seu pai, Leandro Dupré, Hermes Lima e Arthur Heládio Neves, aos quais se associou mais tarde Monteiro Lobato, a Editora Brasiliense tornou-se um marco do mercado editorial brasileiro. Mas, penso que ainda merece uma pesquisa mais minuciosa devido a sua singular contribuição. Destacamos suas publicações, com ênfase nas ciências sociais, bem como a criação da Revista Brasiliense, dirigida por Elias Chaves Neto. Nela, Caio Prado Júnior deu vazão a importante parte de sua obra intelectual. Lançada em 1955, foi fechada pelo regime militar-civil em 1964. De acordo com Paula Beiguelman (1989), a Revista Brasiliense se opunha à integração subjugada da nossa economia no sistema mundial, escolheu a “contramão da História”, e nos brindou com reflexões sobre a conjuntura de nosso país naquele contexto.
Serviço de Comunicação Social: Em sua opinião, por que a obra Formação do Brasil Contemporâneo foi a mais marcante de Caio Prado Júnior?
Renata Bastos da Silva: Formação do Brasil Contemporâneo, publicada no ano que o Brasil entra na Segunda Guerra Mundial, ou seja, em 1942, revela as tensões entre sociedade e nação. O autor decifra as contradições regionais e conjunturais da colônia sob a administração portuguesa, para melhor desvendar o processo pendente da revolução brasileira. Um livro que redefiniu parâmetros, abrindo um leque de possibilidades de assuntos a serem pesquisados. Apresentou os impasses do inorgânico, que era a parte da população marginalizada da História do Brasil. Para a Administração Portuguesa, o que importava eram os ganhos de capital e não a sociedade, ou o povoamento de um território continental. Portanto, o livro abriu caminho para pesquisas sobre relações sociais e condições de vida dos amplos setores marginalizados da sociedade colonial. Um dos motivos profícuos dessa sua obra foi apontar a necessidade de pesquisas singulares a respeito da participação de índios e africanos no desenvolvimento da nacionalidade brasileira.
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Renata Bastos da Silva é professora adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR), da área de Administração Pública - Evolução Histórica e Realidade Atual da Administração Pública no Brasil. Membro do Conselho de Extensão Universitária da UFRJ representando o Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE/UFRJ). Realizou pós-doutorado pelo Programa de Pós-graduação Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Possui doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), com a pesquisa sobre Caio Prado Júnior na política 1947-1948. Mestrado em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), quando examinou os antecedentes da crise de 1929 através dos escritos dos pensadores José Carlos Mariátegui e John Maynard Keynes. Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal Fluminense (UFF), possui Licenciatura em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UNIRIO).