Em 29 de julho de 1954, foi publicado o primeiro livro da trilogia de fantasia O Senhor dos Anéis, de J.R.R. Tolkien, linguista e professor universitário britânico nascido na África do Sul. Os romances têm como tema principal “a morte e a imortalidade”, conforme afirma Cristina Casagrande de Figueiredo Semmelmann, pesquisadora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
Divididos em três livros, O Senhor dos Anéis dá continuidade à obra anterior de Tolkien, O Hobbit, e amplia as histórias no mundo fictício da Terra-Média. Na obra, Tolkien desenvolve novos alfabetos e idiomas específicos para cada povo representado. O chamado Tengwar, de acordo com a pesquisadora, é um sistema de escrita élfico. Já o Quenya e o Sindarin são idiomas criados pelo autor para os elfos.
Inspirado pela mitologia nórdica, o catolicismo e a saga anglo-saxônica Beowulf, além de autores como George MacDonald e Chesterton, Tolkien tornou-se referência mundial para a literatura de fantasia. “Podemos dizer que ele inspirou praticamente todos os autores de fantasia posteriores (e também contemporâneos) a ele, como o próprio [C. S.] Lewis e alguns influenciados assumidos, como George R.R. Martin e Neil Gaiman”, afirma Cristina.
Em decorrência do impacto global das obras, hoje, há linhas de pesquisas na FFLCH para entender o universo criado por Tolkien e como ele conversa com o gênero de fantasia. Sob essa ótica, a pesquisadora Cristina Casagrande de Figueiredo Semmelmann concedeu uma entrevista sobre o assunto ao Serviço de Comunicação Social da FFLCH . Confira-a abaixo:
Serviço de Comunicação Social: A partir do seu ponto de vista, qual é a temática central abordada na trilogia de O Senhor dos Anéis e qual a importância das obras para a literatura mundial?
Cristina Casagrande de Figueiredo Semmelmann: Vou responder de acordo com o ponto de vista do próprio autor: o tema central é morte e imortalidade. Os enredos de suas histórias sempre giram em torno desse tema, considerando que os elfos são imortais (enquanto a natureza física existir) e os homens mortais (mas sobrenaturais, isto é, depois da morte atingem uma esfera sobrenatural que é deixada em aberto no legendário, ou seja, a mitologia literária de Tolkien). É por isso que artefatos como pedras élficas ou anéis de poder surgem nessas histórias, como uma tentativa (quase sempre desastrosa) de "remendar" o Mal que entrou no mundo e garantir a imortalidade (muitas vezes configurada como uma forma de poder) dos seres de alguma forma (nem sempre acertada).
Sobre a importância da obra de Tolkien na literatura mundial, eu diria que ele se tornou uma referência inquestionável no gênero fantasia e já é considerado um clássico no ramo da literatura em geral. É um autor que deve ser lido por todos tanto quanto um Dante Alighieri ou um Dostoiévski. Ele abrange tanto elementos da cultura pop quanto do pensamento mais "erudito", por assim dizer.
Serviço de Comunicação Social: Quais elementos caracterizam a escrita de Tolkien nas obras de O Senhor dos Anéis e qual sua maior contribuição linguística com a publicação dos livros?
Cristina Casagrande de Figueiredo Semmelmann: O Senhor dos Anéis é um romance literário, com base mitológica, publicado por Tolkien, escrito, preponderantemente, em prosa, contendo elementos do épico, do lírico (pois há também poesia), do drama, além de compreender outras formas literárias como horror, nonsense e, obviamente, a fantasia. Ele é notável por seu "worldbuilding" minucioso, profundo e vasto, tanto do ponto de vista de categorias (línguas, povos, elementos da natureza, arquitetura, astronomia, geografia etc.) quanto de tempo, sendo dividido em Eras de milhares de anos.
Do ponto de vista linguístico, chama a atenção o fato de o autor, um filólogo de formação, criar línguas fictícias para diferentes povos (especialmente os elfos) com coerência e profundidade necessárias para permear suas histórias com verossimilhança, consistência e personalidade. Por exemplo, temos o Quenya, uma língua élfica falada pelos Altos-Elfos, enquanto o Sindarin tornou-se o élfico comum na Terra-média, ambas as línguas são baseadas no finlandês e no galês respectivamente. Tudo isso ganha uma consistência maior quando suas narrativas trazem explicações para as respectivas variações linguísticas. Há também um sistema de escrita élfico, o Tengwar, que é o mais usado para as línguas élficas. Já as línguas dos “anãos” (escolha estilística do tradutor para se assemelhar a opção de Tolkien no plural de "dwarves") são representadas pelas runas chamadas cirth (outrora usadas pelos elfos). São infinitos detalhes e desdobramentos que nos fazem, às vezes, questionar como uma pessoa só (que por sinal trabalhava na universidade e era casado, pai de quatro filhos) conseguiu desenvolver tanta coisa de forma tão vasta, consistente e detalhada.
Serviço de Comunicação Social: Tolkien cria um novo universo dentro da trilogia de O Senhor dos Anéis. Quais foram suas inspirações para conceber esse novo mundo e quem ele inspirou com os livros?
Cristina Casagrande de Figueiredo Semmelmann: Ele não costumava assumir muito suas inspirações. Mas podemos citar certamente a mitologia nórdica, o catolicismo, e a saga anglo-saxônica Beowulf. Outras influências adjacentes são George MacDonald, Chesterton, William Morris, Chaucer, Andrew Lang, a mitologia celta, entre tantos outros. É interessante citar seus contemporâneos também, como os membros de seu grupo de discussões literárias e filosóficas Os Inklings, tendo C.S. Lewis como destaque.
Podemos dizer que ele inspirou praticamente todos os autores de fantasia posteriores (e também contemporâneos) a ele, como o próprio Lewis e alguns influenciados assumidos como George R.R. Martin e Neil Gaiman.
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Cristina Casagrande de Figueiredo Semmelmann é doutora em Teoria Literária e Literatura Comparada pela FFLCH USP. Sua pesquisa centra-se nos estudos comparados em literatura, tendo como objeto principal a obra de J.R.R. Tolkien. Atualmente, coordena o Grupo de Estudos Mitopoéticos, uma linha do Grupo de Pesquisa Produções Literárias e Culturais para Crianças e Jovens (USP/Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).