Para filósofa, análise das catástrofes globais exige crítica à colonialidade

A filósofa e artista Denise Ferreira da Silva refletiu sobre os caminhos para a descolonização a partir das noções de colonialidade e racialidade, em palestra proferida na USP
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Redação
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Da esquerda para a direita: Igor Souza, mediador e junior fellow do Mecila, e Denise Ferreira da Silva, professora, filósofa e artista – Foto: Maykon Almeida

A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP recebeu, na última quinta-feira, 23, às 19 horas, a palestra Reivindicações ancestrais: sobre liberdade, democracia, convivialidade e implicação. A palestra aberta ao público foi proferida pela artista e filósofa Denise Ferreira da Silva, que refletiu sobre os caminhos para a descolonização a partir das noções de colonialidade e racialidade, além de refletir sobre a crise climática e a crise migratória mundial. O evento foi acompanhado presencialmente por cerca de 60 pessoas e foi seguido de debate. 

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Denise Ferreira da Silva – Foto: Macba 2023

A professora, que vive e leciona há mais de 25 anos nos Estados Unidos, ocupa a cátedra Samuel Rudin Professor em Humanidades no Departamento de Espanhol e Português na New York University (NYU), onde é codiretora do Co-Laboratório de Estudo Anticolonial e Racial Crítico (CRACS Co-lab, na sigla em inglês). É uma das principais intelectuais da atualidade sob uma perspectiva feminista negra radical e autora de livros como A dívida impágavel (2024), Toward a global idea of race (2007) e Homo modernus – Para uma ideia global de raça (2022). Denise teve suas obras expostas nas bienais de São Paulo, Berlim, na Alemanha, e Veneza, na Itália.

Segundo a filósofa, crítica à ordem de subjugação racial e colonial vigente no mundo contemporâneo, uma análise do contexto político global atual é limitada, pois está submissa aos instrumentos teóricos e analíticos disponibilizados até o momento pela lógica da produtividade e da propriedade da sociedade capitalista. Para ela, a colonialidade como modo de governança e a racialidade como aparato político simbólico ficam inacessíveis devido a essa lógica de acumulação e apropriação de recursos.

Escapando às normas
A filósofa defendeu que uma abordagem adequada para entender o contexto político global deve ser capaz de mencionar como a colonialidade e a racialidade são fundamentais para o sucesso da lógica do capital vigente, por meio da lógica produtiva e de apropriação atual. Através do exercício metodológico e artístico visual, ela propõe uma forma de escapar às normas correntes e oferecer uma abordagem que se proponha insurgente, ou seja, que vá contra a lógica colonial.

Para isso, a descolonização do poder, do conhecimento e mesmo de terras ancestrais estão diretamente relacionadas a uma emancipação geral. Segundo a intelectual, as catástrofes mundiais, em especial a crise climática e a crise migratória, manifestam e exprimem uma extensão das extrações e expropriações, seja de recursos naturais ou de bens materiais dos humanos e não humanos perpetuados pela lógica capitalista.

Sob essa lógica, segundo ela, “a dialética racial funciona nesses momentos em que a diferença social e cultural são imediatamente apontadas como fator determinante ou interpretativos do que acontece com as pessoas não brancas e não europeias”.

Em contrapartida a essa conjuntura, ela afirma, “essa situação política demanda que nos organizemos para lutar contra os avanços do capital, nos proteger dos excessos do aparato de execução da lei, nos organizar para garantir os direitos que o Estado, que protege e avança o interesse dos capitais, deve cumprir para com aqueles e aquelas que existem em seus territórios”.

Quebra de padrões
Para isso, Denise propõe uma quebra com os padrões ocidentais e uma reorientação filosófica radical para a desocupação de terras ancestrais e reparação, diga-se a descolonização. Para isso, seria necessário o rompimento com a filosofia ocidental, e uma mudança radical resultaria na emancipação geral, na demolição do parto político que sustenta o Estado-capital.

Sobre a emancipação geral, segundo Denise, “justamente por causa do reconhecimento de sua necessidade decorre não da constatação do caráter violento da subjugação colonial racial, mas do reconhecimento de que seus efeitos são irreparáveis”. Por isso, a emancipação geral deve ser pensada como uma tarefa, e não como um objetivo, pois as devastações causadas tanto aos seres humanos quantos aos seres não humanos devem ser reparadas.

Para ela, “essas catástrofes globais lembram como a subjugação colonial e racial estão ativas nas atuais circunstâncias globais. Devido à recorrente extração de terras e expropriação de trabalho”. Com isso, apesar da separação temporal e espacial, estão ligadas ao seu passado por uma lógica que operou e opera em ambos.

O evento organizado pelo Maria Sibylla Merian Centre Conviviality-Inequality In Latin American (Mecila), um centro de estudos avançados em humanidades e ciências sociais financiado pelo Ministério Federal de Pesquisa, Tecnologia e Espaço da Alemanha, e sediado pela FFLCH, está disponível no canal do Mecila, no YouTube.

Texto por  Maykon Almeida

Texto original: https://jornal.usp.br/diversidade/para-filosofa-analise-das-catastrofes…