Na sessão da Congregação do último dia 23 de outubro, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) decidiu dar fim ao convênio, existente desde 2021, com a Universidade de Haifa, Israel. Trata-se de um acordo padrão, destinado principalmente a sentar bases para estágios de estudantes (mobilidade discente), de docentes ou de pessoal técnico-administrativo.
A repercussão da medida não demorou, com publicações em diferentes canais. Apenas sobre uma delas, um editorial de O Estado de S. Paulo, a direção da unidade solicitou direito de resposta, por considerar tratar-se de um texto que distorce fatos. O resto do que apareceu até agora corresponde, do meu ponto de vista, ao previsível em debates honestos.
Neste artigo, tento apenas, como diretor, ilustrar o que foi submetido à discussão na Congregação, como foi organizado o debate e seus resultados.
Entraram em pauta dois documentos que solicitavam o fim do acordo: um, apresentado por 58 docentes da faculdade, e outro, pela totalidade dos representantes discentes e funcionais. Em ambos, a fundamentação foi o entrelaçamento de algumas atividades-fim da Universidade de Haifa com as forças armadas do Estado de Israel, como consta na própria página da Universidade, e sua participação em programas militares para altos executivos das forças de segurança.
Na medida em que o cerco e a ocupação contra os palestinos já são caracterizados como crimes de guerra pelo Tribunal Penal Internacional, e como genocídio pela Comissão do Conselho de Direitos Humanos da ONU e até pela prestigiosa organização israelense de direitos humanos B’Tselem, os textos dos docentes e dos estudantes argumentavam a incompatibilidade entre princípios éticos e humanitários e a continuidade do convênio. Também mostravam informações sobre medidas disciplinares aplicadas pela Universidade de Haifa para dissuadir protestos contra os massacres.
Para garantir um debate fundamentado e com escuta a todos os setores, os documentos foram divulgados aos membros da Congregação com duas semanas de antecedência, em mensagem específica. A coordenação do convênio, que não integra a Congregação, foi avisada e convidada a participar da reunião, convite que foi extensivo a outras pessoas da faculdade que a coordenação do convênio indicasse. Todos os documentos que posteriormente recebemos foram incluídos na pauta, inclusive uma carta enviada pela reitora da Universidade de Haifa. A carta solicitava que a faculdade não abandonasse o acordo, mas não fazia referência aos fatos mencionados nos documentos que pediam sua interrupção. Também participou da reunião, com direito a voz, um grupo de estudantes de Letras-Hebraico.
O debate foi conduzido pela professora Silvana Nascimento, por eu estar em viagem institucional na China. A vice-diretora organizou o debate de maneira a garantir que as posições favoráveis e contrárias se manifestassem de forma alternada, como pode ser visto no vídeo da reunião disponível no YouTube (minuto 57:58 a 2:51:22). Houve argumentos questionando ou defendendo a decisão tomada. Houve algumas falas emocionadas ou taxativas, a favor e contra, e panfletagem por parte de ambos os posicionamentos, mas o clima foi de respeito, apesar da tensão que uma situação tão excepcional propiciava.
O resultado foi de 46 votos a favor, 4 contra e 4 abstenções.
O prosseguimento, depois da Congregação, será o que estabelecem as cláusulas do acordo para seu encerramento. Foi constatado, tanto na reunião como nos registros de cooperação internacional da faculdade, que, ao longo dos quatro anos de vigência, o convênio não teve demanda de mobilidade discente. Mesmo assim, a faculdade conta com um levantamento de outras instituições estrangeiras conveniadas que desenvolvem estudos hebraicos e/ou de cultura judaica. E o que se encerra com Haifa é a relação institucional da faculdade, não eventuais ações em comum com pesquisadores e estudantes.
Assisti à reunião desde a China, e cheguei a telefonar para me manifestar depois de ter sido mencionado várias vezes. Destaco o nível conceitual do debate, perceptível em que não houve, como às vezes escutamos em outros âmbitos, nem o emprego esvaziado do termo “sionismo”, nem a banalização da noção de “antissemitismo”, tão empregada ultimamente, inclusive contra pessoas judias, para blindar o regime israelense de críticas ou de condenações das suas políticas.
Texto original: https://jornal.usp.br/artigos/o-fim-do-convenio-com-haifa-os-motivos-da-decisao-da-fflch/