Autora fala sobre instrumentos de tortura e memória da escravização no Brasil

Conversa com Mabel de Souza resgata horrores da colonização e reflete o racismo na atualidade
Por
Rafael Dourador
Data de Publicação
Editoria
Foto Mesa
Imagem: Isadora Batista / Serviço de Comunicação Social da FFLCH

Mabel de Souza, escritora e advogada, protagonizou uma conversa no prédio de Letras da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, na quarta-feira, 12 de novembro. Com o tema “Instrumentos de Tortura e Memória da escravização no Brasil”, a palestra aprofundou a discussão da exposição Ecos do Silêncio e contou com a participação de Alexandre Marcussi, professor do Departamento de História, e Silvana Nascimento, vice-diretora da Faculdade.

Mabel se dedica à preservação da memória da escravização e a promoção da justiça racial no Brasil. É autora dos livros Será que eu sou- Gole a Gole, vício e consciência; O Direito sob o olhar delas e Engenhosidade Perversa, obras que unem pesquisa, história e reflexão crítica. Criadora do documentário Todo Dia Tem o Seu Racismo e vencedora da medalha de Esperança Garcia, 2024, e a medalha Teresa de Benguela, em 2025, Mabel utiliza literatura, audiovisual e curadoria para denunciar o passado escravista e o racismo cotidiano.

A autora expressou uma reflexão sobre a violência da escravização que marcou a história do Brasil e a necessidade de ainda se falar sobre o assunto diante do cenário marginalizado que povos negros se encontram no país. Em seguida, apresentou fotos de fazendas coloniais que visitou e instrumentos de tortura de seu acervo.

 

Abolição não encerrou violência
Na apresentação, Mabel abordou o silenciamento na história da escravização no Brasil, não como consequência da opressão, mas como uma ferramenta construída pelos colonizadores. Ela destacou que a dor, o sofrimento físico, a resistência e a espiritualidade dos escravizados foram silenciados por diferentes mecanismos. Entre eles, estavam os instrumentos de tortura, as leis e a escrita oficial.

O professor Alexandre Marcussi, atuante na área de história cultural da escravidão e história do pensamento negro, destacou que a exposição recupera um incômodo necessário para a continuidade das lutas contra o racismo. “Mesmo que difícil e incômoda, a memória é terapêutica”, disse o docente. Para ele, as políticas de rememoração elaboradas no século 20 deixaram de lado os traumas da colonização, apesar de terem desenvolvido a autoestima dos movimentos negros sobre o passado africano glorioso.

A fala do docente concorda com a apresentação de Mabel. A autora falou sobre a dificuldade de levar a discussão para diferentes lugares, pelo sofrimento que as imagens carregam. “[Devemos] revisitar o passado porque a história da escravização se atualiza no genocídio da juventude negra, na exclusão social e na negação de oportunidades. Só há justiça possível quando há memória viva e compartilhada”, justifica.

 

Sobre a exposição Ecos do Silêncio
Encerrada dia 14 de novembro, a exposição apresentava artefatos que serviram para aprisionar, marcar e torturar pessoas negras escravizadas – como gargalheiras, machos, cepos, viramundos, chicotes, ferros de marcar, entre outros – bem como documentos históricos originais. Tanto a palestra quanto a exibição fazem parte da série de eventos para marcar o mês da Consciência Negra, intitulada Presença e Memória Negra na FFLCH: Para Além de Novembro.

“Exposições como essa são espaços de denúncia e cultura coletiva, são formas de devolver voz ao que foi calado. É por isso que a exposição chama-se Ecos do Silêncio”, completa Mabel.

Imagem Mabel de Souza
Imagem: Isadora Batista / Serviço de Comunicação Social da FFLCH