Estudo da FFLCH aborda a construção inovadora das personagens femininas nos livros da série de L. Frank Baum
Dorothy vivia no meio das grandes pradarias do Kansas… Um dia, um ciclone a levou à terra de Oz. Orientada pela Bruxa Boa do Norte, seguiu pela estrada de tijolos amarelos em busca de um mágico que lhe mostraria como voltar para casa. No caminho, descobriu os amigos Espantalho, Homem de Lata e Leão Covarde, cada um em uma jornada buscando algo que já possuíam.
Um século depois, a tradutora Ana Carolina Lazzari Chiovatto analisou Dorothy e as principais personagens femininas dos livros de Oz. Orientada pela professora Elizabeth Harkot de La Taille, seguiu pela estrada do mestrado em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. No caminho, descobriu um mundo de personagens fora do estereótipo feminino tradicional dos contos de fadas.
Ana Carolina comparou as mulheres de Oz com personagens femininas de obras infantis clássicas, como Alice no País das Maravilhas, os livros de Peter Pan, Chapeuzinho Vermelho, João e Maria e outras. “Eu sou tradutora da série Oz no Brasil e percebi que os livros tinham uma questão do feminino forte, com uma representação muito inovadora para a época”, conta a pesquisadora.
As personagens do autor L. Frank Baum são mais complexas que o padrão feminino dos contos de fadas. A pesquisadora cita, por exemplo, a bruxa Glinda, que ajuda a protagonista Dorothy na história. “Ela não é uma fada madrinha, é uma bruxa, só que boa. É uma personagem muito poderosa, que está mais para o Gandalf do Senhor dos Anéis do que para uma fada madrinha.”
Dorothy é a protagonista de quase todos os livros da série Oz (são 14 escritos por Baum, e cerca de 40 somando outros autores). Apesar de ter ajuda de Glinda, ela sempre é encorajada a ser independente e buscar as respostas sozinha. “São coisas legais não só para o empoderamento de uma figura feminina, mas de uma figura infantil”, explica Ana Carolina.
A cientista explica que Baum reforça alguns estereótipos femininos clássicos, como elogiar a mulher dona de casa e mãe. Mas ele não coloca esses papéis femininos como obrigatórios, as personagens mulheres têm o controle das suas escolhas. “Geralmente ele usa esses estereótipos para quebrar ou para dar uma profundidade psicológica maior para a personagem, o que geralmente as pessoas não esperam de obras infantis”, esclarece.
Mesmo hoje, não é comum encontrar essa complexidade nas figuras femininas. A pesquisadora diz que as personagens são muito sexualizadas, e mesmo as crianças precisam ser ao menos bonitas. “Na época, temos algumas personagens que são um pouco fora da curva, mas no final, o grande objetivo delas é se casar. Por exemplo, a Wendy é uma personagem muito importante no Peter Pan, só que ela quer assumir um papel materno que não é dela.”
Para a pesquisadora, em nenhum momento o autor reduz os personagens masculinos para elevar as femininas. Ele os equipara e “não fica falando de questões de gênero de maneira explícita. Ele vai mostrando os percursos de Dorothy em situações em que geralmente colocariam um protagonista menino”, conta.
O filme
Vale ressaltar que a versão para o cinema, de 1939, altera algumas passagens, retirando parte da força que a protagonista Dorothy tem nos livros. Ana Carolina explica que o filme transformou em sonho tudo que ela passou. “No livro, Dorothy salva o Espantalho, salva o Homem de Lata, enfrenta o Leão para proteger o cachorrinho dela. Então, é tudo mais forte que o retratado no filme”, diz.
Em Alice no País das Maravilhas, por exemplo, a pesquisadora ilustra que a protagonista é uma menina tentando satisfazer sua curiosidade, com um narrador que não respeita sua jornada, e que no fim descobre ser tudo um sonho. “As jornadas da Dorothy aconteceram. No sexto livro, os tios vão morar com ela em Oz, que é uma cidade mágica, e não uma fantasia da cabeça dela.”
Nas escolas
A pesquisadora acredita que os livros de Baum são adequados para se trabalhar gênero nas escolas. O autor quebra estereótipos sólidos e permite explorar vários modelos e possibilidades de feminino. “Seria muito bom para estudar gênero de uma forma divertida, porque é literatura infantil, é muito legal de ler e aborda várias questões discutidas hoje em dia”, diz.
Em seu trabalho, Ana Carolina cita algumas pesquisas sobre como crianças são influenciadas pelos estereótipos que elas veem na TV e nos livros. “Há alguns resultados com meninas de 8 anos que acham que o principal papel delas é esperar por um príncipe encantado ou coisas do tipo. Elas não se veem como pessoas ativas que vão atrás de seus objetivos. E é trágico ver que crianças tão novas podem pensar assim”, conclui.
Mais informações: e-mail carol.chiovatto@gmail.com, com a pesquisadora e tradutora Ana Carolina Chiovatto