Lolita, de Vladimir Nabókov, é publicado

O romance é considerado um clássico pela influência significativa que teve em Letras e Artes desde sua publicação

Por
Alice Elias
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Lolita, de Vladimir Nabókov, é publicado
Segundo Elena Vassina, "os primeiros livros de Nabókov foram marcados pelas experiências cada vez mais ousadas com estilo e composição novelesca, rendendo-lhe a fama de um dos mais criativos inovadores de formas de narrativas modernistas na literatura do século XX". (Arte: Alice Elias)

 

Obra de significativa influência na Literatura e nas Artes desde a 2ª metade do século 20, o romance Lolita, de Vladimir Nabókov, foi publicado em 18 de agosto de 1955. Considerado um clássico pela condensação e complexidade dos sentidos, Lolita se desdobra em múltiplas camadas de interpretação, uma vez que possui subtextos escondidos nas entrelinhas.

O autor, Vladimir Nabókov, é um dos principais escritores russos do século 20, além de entomologista, professor de Literatura Russa e Ocidental e tradutor das línguas inglesa, francesa e russa. Sua escrita é caracterizada por jogos intelectuais, pela ousadia e pela experimentação de estilo e composição novelesca, aspecto que o tornou famoso por sua criatividade e inovação.

O romance Lolita, que glorificou Nabókov ao redor do mundo, gerou polêmicas e foi recebido com críticas por parte de seus leitores, pois aborda a obsessão de um homem adulto por uma menina adolescente. “Pode-se dizer que é um estudo da psicologia de uma pessoa obcecada pela mania, um mergulho no mundo da sexualidade infantil, uma metáfora da velha e experiente Europa tentando seduzir a ingênua América”, explica Elena Vassina, professora de Letras Russas na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Confira a entrevista completa com a professora Elena Vassina:

 

Serviço de Comunicação Social: Você poderia comentar brevemente sobre quem foi Vladimir Nabókov?

Elena Vassina: Antes de mais nada, Nabókov é considerado um dos mais importantes escritores russos do século XX. Nasceu em São Petersburgo, em 1899, em uma das mais nobres e ricas famílias da capital do império russo. Em 1916 ele recebeu uma herança milionária, mas um ano depois, com a revolução de 1917, perdeu toda a fortuna. Junto de sua família, foi obrigado a partir para exílio, onde começou a ganhar sua vida dando aulas de inglês e de tênis.

Foi em Berlim que, sob o pseudónimo Vladímr Sírin, publicou várias coletâneas de contos e seus 8 mais importantes romances russos (Máchenka foi o primeiro a sair em 1926), que foram proibidos pela censura soviética. Quando Nabókov e sua mulher Vera (uma mulher russa da origem judaica) tiveram que fugir da campanha antissemita da Alemanha nazista para Paris, Nabókov passou a escrever em inglês, e terminou seu primeiro romance em língua inglesa, A verdadeira vida de Sebastian Knight (The True Life of Sebastian Knight) pouco antes de partir para os Estados Unidos em 1940.

De 1938 até sua morte em 1977, Nabókov não escreveu mais nenhum romance em russo, embora tenha continuado a escrever poesia em sua língua natal. Sempre excêntrico, o escritor tornou-se conhecido também como pesquisador de borboletas, entomologista, brilhante professor de Literatura Russa e Ocidental, tradutor da literatura inglesa, francesa e russa, e, inclusive, um dos poucos renomados escritores bilíngues, que foi tradutor de si mesmo. O livro de Nabókov Lolita (1955) glorificou-o pelo mundo inteiro, trazendo-lhe também a independência financeira. Contudo, o privou por conta do “amoralismo gritante” do Prêmio Nobel, ao qual Nabókov foi nominado 4 anos seguidos.

Serviço de Comunicação Social: Quais foram suas principais contribuições para a Literatura? Em sua análise, como elas repercutem atualmente?

Elena Vassina: Os primeiros livros de Nabókov foram marcados pelas experiências cada vez mais ousadas com estilo e composição novelesca, rendendo-lhe a fama de um dos mais criativos inovadores de formas de narrativas modernistas na literatura do século XX. O seu gosto pelo jogo intelectual, característico do modernismo europeu, demonstrou a supremacia do texto literário sob a "realidade" (palavra que Nabokov sempre colocava entre aspas) e assim chamada "verdade da vida", o que tornou Nabókov um dos grandes mestres de criação pós-moderna. Além disso, Nabókov conseguiu destruir vários estereótipos da escrita erótica, revelando possibilidades da abordagem paródica e intelectual aos temas que antes eram considerados tabu para a literatura.

Serviço de Comunicação Social: Apesar das controvérsias, o romance Lolita é considerado um clássico da Literatura do século XX. Quais elementos fazem desta obra um clássico?

Elena Vassina: Primeiro, o livro é considerado clássico por ter tido uma influência tão significativa em Letras e em Artes desde a 2ª metade do século XX até nossos dias. Há muitas possibilidades de interpretação/leitura de Lolita, o que revela várias camadas dos dos subtextos escondidos no livro. Pode-se dizer que é um estudo da psicologia de uma pessoa obcecada pela mania, um mergulho no mundo da sexualidade infantil, uma metáfora da velha e experiente Europa tentando seduzir a ingênua América. Mas, ao meu ver e antes de mais nada, é uma declaração apaixonante do autor sobre o poder da arte: a obsessão e mania de Humbert Humbert em seu desejo convulsivo de domar e manter o "demônio imortal na forma de uma mocinha" é uma das mais brilhantes metáforas do próprio processo criativo.

Resumindo, a condensação e complexidade dos sentidos fazem de Lolita um livro clássico.

Serviço de Comunicação Social: Quanto às polêmicas, você acha que Nabókov almejou incitar certo desconforto nos leitores? Qual a sua percepção sobre a recepção do público, em relação à intenção do autor?

Elena Vassina: A reclamação mais comum sobre o romance era que Nabókov estetiza e quase justifica a pedofilia, colocando as crianças em risco. Mas é uma interpretação muito primitiva e linear do romance que, de propósito, quer enganar o leitor ingênuo para se revelar aos amadores (cultos e inteligentes!) das leituras intelectuais e altamente dialógicas. 


Elena Vassina é pesquisadora e professora russa, formada na Faculdade de Letras da Universidade Estatal de Moscou Lomonóssov (MGU). Possui mestrado em Literatura Comparada pela Universidade Estatal de Moscou, doutorado em História e Teoria de Arte e pós-doutorado em Teoria e Semiótica de Cultura e Literatura pelo Instituto Estatal de Pesquisa da Arte (Rússia).
Atualmente, é professora de Letras Russas na FFLCH USP. Tem experiência na área de Letras e Semiótica de Cultura, com ênfase em Literatura Comparada, atuando principalmente nos seguintes temas: literatura russa, teatro russo, estudos comparados, tipologia de cultura.