Nasce Gabriel García Márquez

Por que Gabriel García Márquez é considerado um dos maiores escritores do século 20? O autor do clássico Cem Anos de Solidão e vencedor do Nobel de Literatura de 1982 é o personagem da série Hoje na História

Por
Paulo Andrade
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Gabriel García Márquez
Segundo a professora Laura Janina Hosiasson, "García Márquez conseguiu aliar uma escrita divertida, que flui como uma torrente, ao tratamento refinado de sua formação como leitor de literatura clássica". (Arte: Davi Morais)

Sempre que especialistas, revistas e outras publicações elaboram listas dos maiores escritores do século XX, e mesmo de todos os tempos, o colombiano Gabriel García Márquez costuma figurar nas primeiras posições. Isso para não falar do clássico Cem Anos de Solidão, que também figura entre os livros mais importantes da história da literatura.

Nascido em 6 de março de 1927, o autor explorou questões políticas e sociais do povo latino-americano, levando a temática da solidão em diversas de suas obras, nas quais o gênero de realismo fantástico esteve sempre presente. Vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1982, García Márquez teve sua obra e influência comentados pela professora Laura Janina Hosiasson, do Departamento de Letras Modernas da FFLCH USP e pesquisadora de literatura hispano-americana. 

Confira abaixo a entrevista com a professora:

Serviço de Comunicação Social: O que torna García Márquez um dos escritores mais importantes do século XX? É possível falar de literatura hispano-americana antes e depois dele?

Laura Janina Hosiasson: Acho, como já disse em outra oportunidade, que García Márquez conseguiu aliar uma escrita divertida, que flui como uma torrente, ao tratamento refinado de sua formação como leitor de literatura clássica. A forma como sua prosa fez dialogar conteúdos sociais, políticos e históricos latino-americanos com elementos da imaginação e da fantasia também era uma completa novidade à época dos anos sessenta, quando ainda tudo que se escrevia sobre esses temas passava por uma  rigorosa formatação panfletária.

Por outro lado, se é verdade que Gabo integra o primeiro time de escritores latino-americanos do século XX, é dever lembrar que ele não está só. É sabido, e por ele mesmo declarado, como a leitura que fizera em 1953 do romance Pedro Páramo de Juan Rulfo, foi absolutamente crucial para sua percepção da forma que ele próprio iria desenvolver mais tarde.

Digamos que hoje, com o passar dos anos e quando já a luz dos holofotes do prêmio Nobel vai deixando de nos ofuscar, é possível pensar num conjunto de grandes romancistas latino-americanos do século XX que se retroalimentaram entre todos eles, descendentes de uma formação proveniente da grande tradição ocidental da literatura. 

Serviço de Comunicação Social: Suas obras abordavam questões sociais e políticas, questões indígenas e do povo latino-americano de um modo mais abrangente, além da temática sempre presente da solidão. Poderia falar um pouco do seu estilo e suas principais características como escritor?

Laura Janina Hosiasson: García Márquez tomou para si a tarefa de elaborar um tipo de representação literária de alto nível para os problemas regionais colombianos, lançando mão das técnicas mais requintadas que estavam à sua disposição. Leitor erudito da chamada alta literatura, transformou a matéria local que vinha padecendo de um tratamento panfletário desde a década de 1940, em conteúdo e forma a serviço de uma elaboração simbólica que iria transcender a contingência – sem ignorá-la – para atingir dimensões universais. Penso que talvez esteja aí seu verdadeiro valor. Hoje é possível ler Cem Anos de Solidão com estupor e fruição, embora, claro, o impacto que causava naqueles primeiros anos tenha se diluído.

Serviço de Comunicação Social: Qual foi o legado de García Márquez e como seu estilo e suas obras influenciaram as gerações que vieram depois? É possível apontar algumas contribuições presentes na literatura latino-americana atualmente que podemos atribuir a ele? 

Laura Janina Hosiasson: Essa diluição tem muito a ver com as formas como seu estilo foi sendo absorvido. Penso em escritores como Luis Sepúlveda, Isabel Allende e outros, mas também penso que assim como também acontece em outras artes, as formas literárias são absorvidas irremediavelmente como fórmulas e perdem então muito de sua capacidade de surpreender. Um bom exemplo disso acontece com as artes plásticas, em que artistas do tamanho de um Monet, um Picasso ou um Klimt são transformados em padrões de alta costura, de design gráfico, etc.

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A professora e outros pesquisadores escreveram sobre García Márquez e o clássico Cem Anos de Solidão na Revista do Instituto Humanitas Unisinos n°221, de 2007: www.ihuonline.unisinos.br/edicao/221