A obra é fruto de pesquisa desenvolvida no mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Filologia e Língua Portuguesa na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP
As inscrições para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2017 começaram na segunda-feira, dia 8 de maio, e vão até o dia 19 deste mês. Na avaliação, o “bicho-papão” costuma ser a redação, que é a única questão que visa avaliar a produção escrita dos candidatos, exigindo a elaboração de um texto dissertativo-argumentativo a partir de um tema de ordem social, cultural, científica ou política e de textos de apoio apresentados na proposta.
Dentro de um contexto sociocultural amplo, as redações dos participantes do Enem apresentam grande valor de pesquisa, visto que são reveladoras não apenas das “competências escritoras” dos concluintes do ensino médio para a produção de dissertações-argumentativas. Pois, apresentam também os sujeitos por trás delas, as vozes dos jovens do ensino médio brasileiro: O que escrevem? Como escrevem? Para quem escrevem?
Pensando nessas questões, Nathália Rodrighero Salinas Polachini realizou uma pesquisa sobre materiais didáticos e redações do Enem, que resultou na dissertação de mestrado “Redações do Enem: réplicas ativas nas múltiplas vozes”, apresentada em dezembro de 2014, no Programa de Pós-Graduação em Filologia e Língua Portuguesa na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, com orientação da professora do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade, Maria Inês Batista Campos.
E, no final de março deste ano, o trabalho foi publicado em um livro com o mesmo título, pela Editora Porto de Idéias, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), na publicação da obra e também durante o período da pesquisa.
Vozes dos jovens brasileiros
O interesse da pesquisadora pelas redações do Enem surgiu da necessidade de trabalhar melhor os elementos da redação focando no repertório e na autoria, a partir da experiência obtida como professora em sala de aula no ensino público e privado, e para saber como o jovem do Brasil está escrevendo, sem usar somente os parâmetros de avaliação do Enem.
A autora teve como ponto de partida da sua pesquisa 2720 redações da edição do Enem 2012, cujo tema proposto foi “O movimento imigratório para o Brasil no século XXI”, das cinco regiões brasileiras, cedidas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), e que vieram escaneadas mostrando a letra do candidato no exame, “o que revela a identidade, uma marca de quem a pessoa é”, frisa Nathália. Depois, ela estabeleceu uma metodologia e selecionou 121 redações.
Porém, Nathália explica que “o livro não é um manual de como escrever uma boa redação para o Enem”. Pois, ancorada na perspectiva dialógica da linguagem e nos estudos sobre letramentos, a obra buscou compreender cada texto como uma réplica à proposta de redação e aos discursos que dela ecoam, sinalizando que o trabalho com a escrita não está desvinculado das práticas letradas dos alunos e de seus repertórios sociais, culturais e linguísticos.
Organização dos capítulos
O livro contém quatro capítulos. No primeiro, a autora articula as reformas do ensino médio com as mudanças operadas nos vários editais do concurso, fazendo uma espécie de revisão crítica dos princípios teóricos do sistema de avaliação. Este capítulo apresenta ainda um quadro detalhado com o período histórico do início do Enem até o ano das redações estudadas: 1998-2012, o crescente número de inscritos; os diferentes presidentes do Inep, os ministros da Educação, assim como os presidentes da República.
O segundo capítulo se ocupa do detalhamento da perspectiva teórica sobre o enunciado concreto e o discurso citado à luz da teoria do filósofo russo Mikhail Bakhtin (1895-1975) e o Círculo e as noções de letramentos à luz da teoria de Brian Street (1943). No terceiro, há destaque para as orientações metodológicas usadas para a análise das redações. “As redações são tratadas aqui como enunciados concretos. O texto escrito do candidato do Enem torna-se revelador de um sujeito com interação com outras vozes sociais”, destaca a pesquisadora no livro.
O último capítulo analisa as 121 redações selecionadas, abordando como os candidatos dialogaram com o tema pedido na redação. Sobre esta parte, a orientadora da pesquisa e professora da FFLCH-USP, Maria Inês, ressalta que, neste contexto, “as redações, abordadas sob a perspectiva dialógica, deixam de ser objetos para correção e atributo de nota, mas se transformam em interlocutores vivos; condensam posicionamentos de cidadãos e assumem pontos de vista, marcando um evento decisivo: o ingresso à universidade”.
Diálogo
O livro não é dirigido só aos pesquisadores e professores da área de Letras, mas também aos interessados em entender mais sobre o jovem brasileiro e o que está por trás do texto dele, “um sujeito que está dialogando e dando suas opiniões, e ver os discursos que do seu texto ecoam”, destaca Nathália.
Na obra, é frisado que, muitas vezes, o ensino de produção de textos pouco colabora para que os escreventes assumam réplicas ativas pensadas como formas de defesa de um ponto de vista para a elaboração de textos argumentativos nas diversas práticas sociais, visto que é encarado como um repertório técnico. Por isso, a aproximação com o ensino de produção de textos requer formas de escolarização diferenciadas daquelas que consideram apenas o uso “correto” de elementos linguísticos e padrões de textualidade.
“Escrever um texto com autoria e autonomia não é uma receita de bolo, como é ensinada muitas vezes, por exemplo. Porque, quem escreve é um sujeito histórico, social e com um embasamento linguístico. Na escola, o aluno deve ser preparado não só para fazer uma prova como o Enem, mas para saber dialogar na e com a vida”, ressalta.
Para finalizar, Nathália diz que “ao situar as redações do Enem no seu contexto social amplo, como foi feita nesta pesquisa, encontram-se as vozes dos alunos do ensino médio brasileiro. E, verifica-se também, em alguns textos, que os recursos estilísticos e gramaticais usados foram mobilizados a partir de suas possibilidades expressivas para a escrita argumentativa, enquanto que, em outros textos, esse trabalho ficou restrito a cópias, aplicações mecânicas e reduções temáticas”.
Mais informações: nathpolak@hotmail.com, com Nathália Rodrighero Salinas Polachini.